05 February 2014

O CÉREBRO A REFOGAR


Parafraseando o Manifesto Comunista, em 1992, Terence McKenna iniciava o tão fascinante quanto demente O Pão Dos Deuses com as palavras “Um espectro assombra a cultura planetária – o espectro das drogas”. E, daí, na condição de continuador de ilustres antecedentes como Aldous Huxley ou Timothy Leary, partia para uma minuciosa investigação histórica da relação dos humanos com as drogas psicoactivas, acabando por atribuir a emergência do homo sapiens ao consumo de cogumelos alucinogénicos, advogando a exploração dos estados alterados de consciência através da ingestão de psicotrópicos naturais (em especial, a DMT, presente no ayahuasca dos xamâs da Amazónia) e prevendo para 21 de Dezembro de 2012, em coincidência com o final do famigerado calendário Maia, o encontro com “o objecto transcendente no final dos tempos”, momento em que se estabeleceria “a fusão entre nós, as nossas máquinas e a alma do mundo orgânico num único ser”. Não chegaria a ter a oportunidade de verificar que 21.12.12 foi apenas um dia igual a todos os outros (morreu em Abril de 2000) mas, do mesmo modo que com muitos outros paladinos do pensamento mágico e anti-científico (no qual a cultura "new age" embrulhou a pior herança dos anos 60), o seu legado esotérico está longe de defunto.

Ben Lee, ex-membro dos australianos Noise Addict - que, pela mesma altura em que McKenna publicava O Pão Dos Deuses, chegaram a seduzir os Sonic Youth e os Beastie Boys que lhes editaram discos nos EUA – e, logo depois, a solo, é um dos mais recentes cristãos novos da causa psicadélica e Ayahuasca: Welcome To The Work o seu novo testamento. Na contracapa, reconhece humildemente que procurar “capturar em música a experiência da transcendência” (leia-se: Lee, como McKenna, andou a tripar forte e feio na Amazónia) só pode ser “um falhanço” e que é impossível comunicar o que se encontra “beyond the mind”. Pura verdade: “beyond the mind” não existe nada mas, não indo ao ponto de lhe aconselhar o estudo das neurociências, aos 35 anos, já teria tido tempo para perceber que aquilo que um cérebro a refogar em DMT produz não é necessariamente tão bom quando escutado sem aditivos. É mesmo, não há outra forma de o dizer, extraordinariamente aborrecido, sobrando para a categoria do apenas tolerável um ou dois instantes de pseudo-Beach Boys. Alinhem-se os chacras, se tiver de ser, mas, pelo menos, que a música seja potável.

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