10 December 2013

MUDAR DE PELE 


Não é fácil adivinhar que a banda que conhecemos pelo nome Midlake (e que a Wikipedia descreve despachamente na qualidade de “an American folk-rock band from Denton, Texas, formed in 1999”) teve origem num grupo de estudantes da Escola de Jazz, da North Texas University. Não só custa imaginá-los entregues a exercícios musculados de funk/jazz à la Herbie Hancock – mesmo garantindo que, sempre que podiam, praticavam adultério com o reportório dos Led Zeppelin... o que também não ajuda a melhorar a nitidez da imagem – como, recorrendo ao microscópio, das outras alegadas fontes de alimentação (Björk, Jethro Tull), os vestígios são virtualmente indetectáveis. Até porque, daquela parcela da discografia da banda a que o universo decidiu começar, verdadeiramente, a prestar atenção (e que lhes assegurou um confortável nicho no sector "indie"-barbudo, vagamente neo-hippie), The Trials of Van Occupanther (2006) era apenas uma declinação actualizada dos Fleetwood Mac-versão-soft-rock, e The Courage of Others (2010) guinava ostensivamente em direcção à Britânia dos Fairport Convention e Pentangle. Dá-se, porém, o caso de os Midlake serem algo como uns anti-Pink Floyd: se, a estes (e assumo o risco de ofender almas particularmente sensíveis), perder Syd Barrett não foi o acontecimento mais feliz para a sua trajectória posterior, para o sexteto texano, o abandono do cantor e principal compositor, Tim Smith, foi o melhor que lhes poderia ter sucedido. 


Vendo-se, de súbito, com a gaveta do reportório completamente vazia – apesar de o divórcio não ser violentamente litigioso, Smith fez questão de reivindicar para si as gravações de um álbum praticamente concluído durante dois anos de estúdio – não tiveram outra solução que não a de reinventar-se enquanto colectivo musical, passando a pasta de "frontman" ao guitarrista Eric Pulido. E, em seis breves meses, despiram-se, por inteiro da antiga pele e reemergem em Antiphon na condição de praticantes de uma estirpe de rock que, não sendo fulgurantemente inovador (missão realmente impossível) nem apagando na totalidade as pegadas de uma década de vida – "Aurora Gone" está lá para o recordar – se apresenta como uma das propostas mais consistentes para uma segunda vida actual da coisa prog/rock/folk/psicadélica. Não é impossível que os solavancos estéticos com que, desde a origem, foram convivendo os tenham ajudado a compreender que, se era sobre idiomas pré-existentes que pretendiam trabalhar, a regra de ouro para os não meros copistas é sempre baralhar e voltar a dar. À maneira de uns Echo & The Bunnymen que tivessem sonhado ser os Radiohead (sim, invertendo os termos) e que, para tal, sentissem ser indispensável incorporar material genético dos (ei-los de novo!) Pink Floyd-com-Barrett, não desdenhando igualmente o gosto pelas massas corais que, dos Association aos Fleet Foxes, aqui e ali, emerge, a matéria sonora que de tais colisões resulta – ponham os ouvidos em "Vale", "The Old And The Young", "Antiphon" e, sobretudo, "Provider Reprise" – é, ora um admirável barroco lisérgico, ora uma pastoral sci-fi embriagada de luz. Agradeçam a Tim Smith.

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