28 November 2013

O PASSADO, ONTEM À NOITE



Nada de novo: o p.o.v.o. – da tasca à academia, em todos os continentes –, quer tenha “estado lá” ou tenha só ouvido falar, adora reviver o passado. Garantia, pois, de que a indústria da nostalgia (tal como, talvez apenas, a indústria funerária) possui um inesgotável e risonho futuro. Tão mais brilhante quanto a ruminação a que se entrega, nas múltiplas variantes “pós”, “neo” ou “retro”, se enriqueça de pormenores. Importante é recriar “a época” – invariavelmente designada por “os anos de oiro de...” –, os instrumentos, tiques, maneirismos, ornamentações, adereços, guarda-roupa, futurismos, primitivismos, falhas técnicas, todo um ersatz de “autenticidade” ressuscitada para ouvidos, olhos, salas e contextos nunca exactamente iguais aos dos respectivos pontos de partida. Da respeitabilíssima "early music" dos Munrow, Leonhardt, Savall, Clemencic, Harnoncourt e posterior descendência, às assumidamente miméticas "tribute bands" (incluindo delirantes casos híbridos como o dos Beatallica: canções dos Beatles interpretadas do modo que os Metallica o poderiam fazer), às diversas estirpes retromaníacas do "dad rock" e/ou "record collection rock" e a todos os Tame Impala deste mundo, com maior, menor ou nenhum distanciamento irónico (a reactivação do género “musical”, no cinema, nos exemplos mais valiosos – Dancer In The Dark, Moulin Rouge, Everybody Says I Love You, 8 Femmes, On Connait La Chanson –, nunca se esquivou a exibir, bem visível na lapela, a inocência irremediavelmente perdida e a explicita referência aos ilustres antepassados), a tecla do "rewind" não poderia estar mais gasta.



Mas, por muito que se tenha consciência disso, dificilmente poderíamos estar preparados para, por entre "zappings" e informação avulsa, tomarmos, de súbito, conhecimento da existência da personagem Liliane Marise: qual Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen (uff!... finalmente em Lisboa), salta da ficção televisiva xunga para a “realidade” e, em vertiginosa aceleração hiper-pós-modernissima, de um só golpe e com prazo de validade anunciado, recria o pelintra e pindericamente glorioso "glamour" pimba (oximoro absoluto, escusam de apontar). É verdade que tal zona demarcada, após os precursores Marco Paulo, Quim Barreiros, Dino Meira e José Malhoa e anos de existência "underground" em feiras e arraiais, a seguir à trepidante emergência em "prime-time", a meio dos anos 90 – que nos ofereceu a constelação das Ágatas, Mónicas Sintra, Ruths Marlene, Micaelas, Romanas e outros Iran Costa, ou o propriamente pimba-Emanuel – nunca verdadeiramente se extinguiu. Ofereceu ao universo o seu Sinatra-de-piquenicão, generosamente reconhecido e recompensado pela pátria (procure-se por “Tony Carreira” em http://www.base.gov.pt/ e confirme-se), mas o escol acima enumerado bem como "starlets menores" (já teremos esquecido a pós-feminista Claudisabel de "Preciso de um Herói"?) tiveram de se resignar ao purgatório dos programas de manhã e tarde da televisão, preciosa estação “de serviço público” incluída. Por um breve instante no tempo, Liliane Marise (disco de ouro, 14 semanas no top da AFP) veio alterar isso tudo. O passado remoto é, cada vez mais, ontem à noite.

1 comment:

Rui Gonçalves said...

Se é para reviver o passado, então que seja por este lado: http://blitz.sapo.pt/melhores-de-2013-o-acontecimento--banda-do-casaco-revisitada=f89849