LADRÃO DE JÓIAS
Oscar Wilde não podia ter mais razão quando decretou que “só as pessoas superficiais não julgam pelas aparências”. Mas, apesar de sábia, tal regra de avaliação não deve ser aplicada de modo demasiado literal. Olhando, sem preparação prévia, para uma fotografia recente de Paddy MacAloon – algo como um candidato ao lugar de Pai Natal de centro comercial, todo de branco vestido e calçado – imaginamos, de imediato, que ele nos poderia assediar implacavelmente, de Bíblia na mão, oferecendo promessas de salvação e um convitezinho para comparecer, logo que possível, no templo da seita religiosa da sua preferência. Tranquilizemo-nos, porém: apesar das diversas referências ao Além que mobilavam o último Let’s Change The World With Music (2009) – mas não começava "God Watch OverYou" com as palavras “I’ve no time for religion, maybe doubt’s a modern disease”? –, é oficial (confirmou-o em entrevista recente ao “The Scotsman”): não, não teve nenhum encontro imediato com o Grande Fantasma Cósmico.
Já o mesmo não poderá dizer-se das aparentemente excelentes relações que
manteve com o Príncipe das Trevas que, no pacto faustiano relatado em "The Devil
Came A Calling", descreve como um tipo “charming, articulate, urbane, charisma all the
way (...) no brimstone fire or rain”, capaz de propor um óptimo negócio que lhe
proporcionaria “power, wealth, and a mansion on Fellatio Drive”. Acerca do qual não
está muito seguro de como terá reagido: “My memory is hazy, I thought that I
declined”. Mas, ainda que, quando interrogado como consegue, aos 56 anos, manter
intacto o timbre vocal de há duas décadas, responda que “gargarejar com sangue de
virgens ajuda bastante”, não é muito provável que o acordo tenha sido consumado: a
edição do novo Crimson/Red (sob o já só
"nom de plume", Prefab Sprout) resultou dos
mesmos sarilhos económico-contratuais que tinham estado na origem de Let’s
Change..., coisa pouco habitual em gente de “power and wealth”.
Isto é, pressionado a
publicar um álbum por quem lho teria financiado e porque o seu perfeccionismo
patológico o impedia de o fazer, não encontrou outra solução que não garimpar, mais
uma vez, os inesgotáveis arquivos e, inteiramente a solo (mas, de novo, acompanhado
pelo produtor Calum Malcolm), puxar o lustro a dez canções das quais a mais jovem
tem dois anos e a mais idosa, dezasseis. Nada de preocupante, afinal. Os fundos de baú
deste fulano que, candidamente, confessa ignorar como se envia um email ou uma SMS
e lida mal com computadores, contêm mais preciosidades do que aquilo que a maioria
se apressa para tirar do forno.
Escutem-se "The Songs Of Danny Galway" (genuflexão
perante o mestre Jim Webb – “
I met him in a Dublin bar, a sorcerer from Wichita”
),
"Mysterious" (idem face a Dylan – “You roar right out of Nowheresville, to find the
beating heart, cryptic, ellusive, smart, mysterious from the start”) ou "The Best Jewel
Thief in the World" (ibidem apontado a ele mesmo – “Down below, what do any of
those assholes know? Watch your legend grow, you’re the best jewel thief in the
world”), gloriosas coreografias de melodia e palavras, e ouse-se não fazer silêncio.
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