SWAPS
Mover-se com destreza no labirinto dos dicionários – esses maravilhosos contentores de palavras que guardam em si todos os textos escritos e a escrever – não é apenas uma capacidade de imensa utilidade prática mas também algo que pode contribuir decisivamente para reabilitar certas palavras de má reputação. "Swap", por exemplo. À conta destas quatro letras, entendidas como “instrumento financeiro de risco elevado”, muitos de nós ter-se-ão já imaginado Robespierre em sonhos húmidos com guilhotinas. A pobre palavra "swap", contudo, não significa senão “troca” e é susceptível de ser usada em variadíssimos contextos como aquele no qual, em plenos anos 60, o escritor John Updike, em Couples, se referia ao "wife swapping" (divertimento sexual alternativo também conhecido sob a designação de "swing" que, por sua vez, não deverá ser confundido com o género musical a que Benny Goodman ou Glenn Miller se dedicavam). Ou, para o que, agora, importa, na acepção de "song swapping", modalidade praticada por Peter Gabriel e iniciada em 2010 com Scratch My Back. Tratava-se, então, de dar (magnificamente) o tiro de partida para a primeira volta de um desafio em que Gabriel interpretaria doze canções de igual número de autores que, na segunda volta – And I’ll Scratch Yours, uma espécie de “toma lá, dá cá” –, lhe responderiam com versões de outras tantas dele.
O processo não decorreu com a celeridade prevista (houve quem, como os Radiohead, não tivesse achado muita graça ao ângulo pelo qual Peter Gabriel observou a sua bem amada obra e tenha feito birra, e outros – David Bowie e Neil Young – que, sob diversas alegações, se escusaram a retribuir a amabilidade) pelo que, só três anos depois, o "swap" se acha concluído. Se, no primeiro volume, havia um dogma (proibição de guitarras, bateria ou "groove" rítmico substituídos pelos mais que perfeitos arranjos orquestrais do ex-Durutti Column, John Metcalfe) e um lema (“Se reinterpretamos alguma coisa, hasteemos a nossa bandeira no mastro e digamos ‘isto é diferente e ninguém é obrigado a gostar’”), as réplicas de And I’ll Scratch Yours dividem-se, previsivelmente, entre as cerimoniosas releituras, as reconfigurações personalizadas e a iconoclastia. Aquando de Scratch My Back, Stephin Merritt tinha declarado que a versão de "The Book Of Love" de Gabriel se concentrava no pathos enquanto a sua preferia o humor e acrescentava “Claro que, se eu cantasse como ele, não precisaria de ser humorista”. "Not One Of Us", panfleto anti-xenofóbico, aqui em modo caricatural Future Bible Heroes, demonstra as suas razões mas não vai tão longe como a demolição quase "à la" Metal Machine Music que Lou Reed opera sobre "Solsbury Hill". Amem-se muito a folk para catedrais "in space" com que Bon Iver desmaterializa "Come Talk To Me", a pequena peça de joalharia em que Feist converte "Don’t Give Up" e a assombração electrónica que Brian Eno faz descer sobre "Mother Of Violence" mas, sobretudo, ajoelhe-se perante a forma como Paul Simon nos convence de que "Biko" foi sempre uma canção por ele assinada. Fossem todos os "swaps" assim.
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