23 August 2013

CHAMPANHE & SATANÁS 


Até 1999, Stephin Merritt já tinha publicado seis álbuns com os Magnetic Fields, dois com os Gothic Archies, um com os Future Bible Heroes, e outro via The 6ths. Era uma discografia importante, variada e respeitável – Obscurities, colecção de “sobras” do período 1994-99, editada há dois anos, é assaz esclarecedora acerca da riqueza dos fundos de baú de Merritt – mas seria apenas à beira da viragem do milénio, com o triplo 69 Love Songs, dos Magnetic Fields, que o mundo "indie" (e uma mais alargada periferia) ajoelharia, por fim, perante o indiscutível génio do extremoso dono do chihuahua Irving (Berlin). Foi um caso exemplar de bênção que se transforma rapidamente em maldição: daí para a frente, tudo, literalmente tudo, o que Stephin Merritt gravaria através das suas diversas personae haveria de ser fatalmente comparado com o inesgotável tríptico e, só muito improvavelmente, de modo favorável. O que, à excepção de Distortion (2008) – abstruso ensaio de fusão molecular entre o arame farpado de Psychocandy e o "songwriting" segundo Merritt – nunca andou demasiado longe da pura injustiça: para ficarmos apenas pela nata, Hyacinths and Thistles (2000, dos 6ths), i (2004) e Realism (2010), ambos dos Magnetic Fields, e, sobretudo, The Tragic Treasury: Songs from A Series of Unfortunate Events (2006, dos Gothic Archies), magnificamente perversa colecção de canções infantis escrita a meias com Lemony Snicket/Daniel Handler, são o género de matéria apontada directamente ao cânone pop pela qual muitos abdicariam de bom grado de uma parte da sua anatomia. 


Segundo parece, o espectro-69 já começou também a pairar sobre Partygoing, recente terceiro tomo dos Future Bible Heroes, essa bizarra associação musical com Chris Ewen (e Claudia Gonson incluída) surgida da comum devoção por Yma Sumac, John Cage e a arte Tiki da Polinésia. Poderá, certamente, discutir-se se a inclusão no panteão atrás referido é aceitável mas isso obrigará a reparar que, nesta recolha de levíssimas bolhas de sarcasmo niilista, se incluem pérolas como "Let’s Go To Sleep (And Never Come Back)" (“I'll wear silk pajamas and sleeping mask in black, and you will wear a muumuu a la Roberta Flack, leaving no note, just candles and incense, we'll overdose on smack, no need to weep, let's go to sleep and never come back”), invocações a Satanás (“Angel of light, prince of peace, I am your soldier but don’t let me get too much older”) e, especialmente, aquelas que Claudia Gonson designa como “instructional songs”: a que aconselha "Keep Your Children In A Coma", enquanto forma expedita de evitar as aflições da infância (“You can't let them go to school for fear of bullying little beasts and you can't take them to church for fear of priests, you can never really know, ma, if their motives remain pure, keep your children in a coma and be sure”) ou a outra, que, sob o alto patrocínio de Cristo clonado a partir do sudário de Turim (com assessoria de David Bowie e Aleister Crowley), recomenda "Drink Nothing But Champagne" (“It makes life shorter than drinking water”). E não duvidemos que Merritt está coberto de razão quando afirma que Presley chamaria um figo a "All I Care About Is You".

1 comment:

Táxi Pluvioso said...

Boorrrring... punk rock viverá para sempre:

http://www.youtube.com/watch?v=5gFlnYaXvLE