(AINDA) OUTRO LADO DE BOB DYLAN
Bob Dylan deverá ter pulado de alegria ao ler a pergunta com que Greil Marcus iniciava os 40 000 caracteres da crítica a Self Portrait, no número de 23 de Julho de 1970 da “Rolling Stone”: “What is this shit?...” E mais feliz terá ficado ao reparar que, evidentemente, Marcus não se ficava por aí mas zurzia forte e feio na obra e no autor, comparando-o com Rimbaud que trocara a poesia pelo comércio na Abissínia, interrogando-se acerca do real valor de Dylan (“Em 65 e 66, seríamos assim tão impressionáveis? Não teremos sobrevalorizado algo que, afinal, não era melhor do que isto? Aqueles discos tão intensos terão sido apenas acidentais?”), desafiando-o a ir até ao fim e a assumir o “Bing Crosby Look”, e confessando amargamente que era a primeira vez que se sentia cínico ao ouvir um disco dele. Mas, a certa altura, por acaso ou não, Greil Marcus acerta no alvo: “Há uma curiosa tendência para o auto-apagamento. Dylan retira-se de uma posição na qual lhe é exigido que exerça o poder. Quase como o duque de Windsor abdicando do trono”. De facto, estava tudo a correr tal como fora planeado: um pouco por todo o lado, Self Portrait seria incinerado, o “Pravda” soviético chamaria a Dylan “capitalista ganancioso” e este fizera questão de não recusar o muito institucional e nada revolucionário doutoramento honoris causa que a universidade de Princeton lhe concedera. Ainda que, desgraçadamente, na cerimónia de atribuição dessa distinção, o académico de serviço não tenha resistido a apresentá-lo na qualidade de “expressão autêntica da consciência inquieta da Jovem América”.
Porque era justamente disso que ele queria fugir! Se seleccionara para Self Portrait os registos mais deslavadamente country e as mais pálidas interpretações de "standards", a intenção era, precisamente (assim o afirma em Chronicles Volume One), alienar de uma vez por todas a multidão de fãs e apóstolos que o acossava e lhe exigia “que saísse à rua e os conduzisse sabe-se lá onde, deixando de me esquivar aos meus deveres de porta-voz de uma geração. (...) Eu apenas cantara canções directas que falavam de realidades novas e poderosas. Tinha muito pouco em comum e sabia ainda menos de uma geração de que era o suposto porta-voz. (...) Sentia-me como um pedaço de carne atirado aos cães. (...) Escreviam-se histórias acerca de eu andar em busca de mim, numa demanda interior atormentada. Tudo isso me parecia óptimo. Gravei um álbum duplo [Self Portrait] para o qual atirei tudo o que colasse e não colasse à parede. (...) Convencera-me de que, quando a crítica demolisse a minha obra, o mesmo aconteceria comigo e o público me esqueceria”. Another Self Portrait (1969–1971), décimo volume das Bootleg Series editado a 27 de Agosto, apresenta-se com a exigente missão de demonstrar que, nesses anos de eclipse, ao lado da Band, de David Bromberg e de Al Kooper, nem tudo o que Dylan gravou era o esterco que, deliberadamente, amontoou no duplo de 1970. Bem mais difícil será fazer o mesmo em relação aos registos do período "born-again", quando o seu fervor evangelizador nem perante o produtor Jerry Wexler se deteve, obrigando este a dizer-lhe “Bob, estás a lidar com um judeu ateu de 62 anos. Vamos só gravar um álbum...”
1 comment:
Ele acertou em cheio, é mesmo isso a "expressão autêntica da consciência inquieta da Jovem América", esperemos que de outros lados venha consciência outra, que este artista pinte o nosso presidente Barack a ordenar atentados com armas químicas para despertar a consciência inquieta do Jovem Mundo, (às vezes é preciso):
http://www.theprovince.com/news/Artist+Putin+negligee+flees+Russia/8845483/story.html
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