16 April 2013

ODISSEIAS NO ESPAÇO 

The Temple Of Speculative Music - Robert Fludd

No final do ano passado, a Universidade de Westminster (ex-Regent Street Polytechnic), em Londres, decidiu atribuir ao seu antigo aluno, Nick Mason, o grau de Honorary Doctor of Letters pelo contributo por ele dado à música, influenciado pelos estudos de arquitectura que, nela, havia realizado e que, tal como os ex-colegas Roger Waters e Richard Wright, interrompera em 1965, nunca concluindo o curso. Não haverá imensos sinais disso na música dos Pink Floyd mas a capa de Relics (1971), desenhada por Mason, aparenta algumas intrigantes semelhanças com a gravura (surrealmente reconfigurada) "The Temple Of Speculative Music", do matemático, cosmólogo e cabalista inglês do século XVII, Robert Fludd (suspeita reforçada por uma outra verdadeira gravura de Fludd figurar no booklet da reedição de 1994 de The Piper At The Gates Of Dawn), em cuja arquitectura ele procurou inscrever a divisão do monocórdio pitagórico, os modos litúrgicos, o estudo do contraponto e, de um modo geral, capturar visualmente, o conceito de musica universalis

Pink Floyd - "Interstellar Overdrive"

De formas diversas, os Floyd (em "Astronomy Domine", "Interstellar Overdrive", "Set The Controls For The Heart Of The Sun" ou "Cirrus Minor") viajaram pelas galáxias mas foi em "Eclipse" que praticamente parafrasearam – “everything under the sun is in tune” – o contemporâneo de Fludd, Johannes Kepler, o qual, em Harmonices Mundi (1619), propôs o esquema geral para a “harmonia das esferas” (“Os movimentos dos céus não são mais que uma eterna polifonia”): um coro celestial com Mercúrio, como soprano, Vénus e Terra nos contraltos, Marte, o tenor, e Júpiter e Saturno, ocupando o lugar dos baixos. Porém, uma harmonia imperfeita: a melodia que a Terra entoa seria mi – fá – mi o que, segundo Kepler, constituiria um eterno lamento pela miséria (miseriam) e fome (famen) reinantes. Da Sinfonia “Júpiter”, de Mozart, aos "Planetas", de Gustav Holst, à Sinfonia Nº 2, “Copernican”, de Górecki, à "Die Harmonie Der Welt", de Hindemith, às infindas odisseias espaciais de Sun Ra, ou às autênticas Symphonies Of The Planets – que converteram em som os sinais electromagnéticos inaudíveis captados pelas sondas Voyager e Cassini – publicadas pela NASA, o tema esteve sempre pronto a ser abordado.  

 

Planetarium, encomendado a Sufjan Stevens, Bryce Dessner (dos National) e Nico Muhly, pelo Muziekegebouw, de Eindhoven, Barbican Centre, de Londres e Ópera de Sidney, é um ciclo de canções sobre o sistema solar, para cordas, sopros e teclados que, no ano passado, fez exercícios de aquecimento, em palco, na Europa e Austrália e só no final de Março último, estreou em Nova Iorque, na Brooklyn Academy of Music (proximamente editado em álbum mas, com variável qualidade audiovisual, quase todo disponível no Youtube). Musicalmente, bastante mais próximo de The Age Of Adz (2010) do que de The BQE (2009), parece, não apenas prolongar o aparente impasse estético de Stevens que, aqui e ali, os “glassismos” de Muhly reorientam (Dessner é virtualmente indetectável), mas, algo mais inquietantemente, pelo aparato cenográfico e grandiloquência, quase (re)anuncia a aventesma do rock sinfónico. Que os céus nos protejam.

4 comments:

Jorge Mourinha said...

"aventesma do rock sinfónico" = amor.

alexandra g. said...

Eu não consigo ler "aventesma". Para mim, que não sei d' onde me vem a influência, é mesmo avantesma.

Felizmente, conheço outras significâncias. Manhosas que sejam, mas conheço-as.

João Lisboa said...

http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=aventesma

http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=abantesma

alexandra g. said...

E se alguém, de repente, lhe desse um beijinho, isso era...