10 June 2012

A REGRA DE TRÊS SIMPLES 
(5ª e última parte da entrevista com Jack White publicada na "Blitz") 



Claro que chamar o Renascimento à conversa evoca, irremediavelmente, a célebre tirada de Orson Welles, em O Terceiro Homem: “Em Itália, durante trinta anos, sob os Borgias, houve guerra, terror, assassinatos e banhos de sangue, mas produziram Miguel Angelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Suíça, existiu amor fraterno e quinhentos anos de democracia e paz. E o que produziram? O relógio de cuco”. Mas, criatura do Renascimento transportada para o século XXI, é o próprio White: “guitar hero” que, afinal, se vê, antes de mais, como baterista, elemento permanente ou ocasional de várias bandas, produtor musical e fundador da Third Man Records, e que surge, neste momento, com o primeiro álbum em nome individual – Blunderbuss, designação holandesa de uma “shotgun” setecentista de elevadíssimo poder de destruição –, alinhamento de treze temas que tanto disparam rajadas de rockn’roll primordial como denunciam a inalação dos ares de Nashville.


    “Surgiu muito organicamente, passo a passo, tal como acontece sempre que tomamos a decisão acertada de abdicar de dar ordens à música e permitir que seja ela mesma a assumir o controlo. Só me apercebi que estava ali a surgir um álbum quando, já com meia dúzia de canções gravadas, reparei que nenhuma delas poderia ter espaço num disco dos Raconteurs ou dos Dead Weather”.

Paralelamente, a Third  Man Records cujo espírito se mantém fidelíssimo ao lema de “tornar possível a existência das coisas de que gostamos: não existe nenhum objectivo de lucro ou de prendermos bandas a contratos, caso elas tenham êxito”, parece ter encontrado a solução para, em tempos de emagrecimento acentuado das vendas de discos, sobreviver de modo feliz:

    “Produzo e publico os discos que me apetece e, pelo simples facto de não me preocupar com esse tipo de considerações, na verdade, acabam por vender. As pessoas vêm ter connosco e apercebem-se de que não temos nada a ver com as grandes editoras ou produtoras de filmes como a Sony ou a Warner Bros a quem é preciso ir convencer, arrancar, a ferros, o dinheiro. Nós somos mais como uma boutique, uma loja familiar. E, como apenas nos ocupamos de coisas de que gostamos – nunca nos desviámos do caminho para assinar com uma banda nova só porque ela parecia ter 'sucesso' escrito na testa –, tem funcionado incrivelmente bem”.

Mas não lhe rouba o sono saber que, actualmente, existem já uma ou duas gerações de miúdos (e não tão miúdos...) que nunca, na vida, compraram um disco físico?

    “Isso é, de facto, muito triste. A indústria musical nesta última década tornou-se assustadora. Perdeu uma série de características românticas e tangíveis. Ninguém sabe o que vai acontecer no que à Internet diz respeito. Mas, por outro lado, há sinais animadores como os que nós temos na Third Man: em três anos, produzi 140 discos (singles e LP) em vinil e vendemos 600 000 cópias!”




Em tão extenso catálogo, descobrir-se-ão tanto as gravações dos White Stripes, Raconteurs e Dead Weather (e, naturalmente, “Blunderbuss”), como os das japonesas The 5.6.7.8's – deitem só o olho a mais um filme: a sequência da “House Of Blue Leaves”, de Kill Bill Vol. I – de Conan O’ Brien, do leiloeiro Jerry King, de Laura Marling, obscuridades avulsas, ou Loretta Lynn e Wanda Jackson que Jack White, qual Rick Rubin dedicado ao trabalho de restauração da carreira de “old lady icons”, não hesitou em tomar em mãos. Pelos melhores motivos:
     
    “Desde miúdo e muito antes sequer de pensar em ser produtor, nunca fiz quaisquer discriminações entre novo e velho, homens ou mulheres, rock’n’roll, jazz, blues... se penso que posso ter alguma coisa a acrescentar, faço-o. Tanto gravei um single com o Tom Jones como, há meses, outro com um miúdo negro, adolescente, homossexual de Detroit, o Dwayne “The Teenage Weirdo”. Se alguém tem alguma coisa para oferecer, tenho a obrigação de lhe proporcionar as condições para que o possa fazer. Estou-me nas tintas para a forma como isto possa ser entendido. O que é importante é que haja música a partir da qual alguma coisa se possa construir”.

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