31 DE FEVEREIRO
Lambchop - Mr. M
Bastava ouvir isto: “Took the Christmas lights off the front porch, February 31st”. O universo wagneriano (de Kurt Wagner) fica instantaneamente desenhado – coisas insignificantes, rotineiras, banais, mas que ocorrem num mundo paralelo onde Fevereiro tem 31 dias sem que tal chegue, sequer, a tornar-se assunto de conversa. E, mesmo que isso possa ser lido como uma obliquíssima alusão ao suicídio, em 25 de Dezembro de 2009, de Vic Chesnutt (amigo de Wagner e colaborador dos Lambchop, a quem Mr M é dedicado), é apenas mais uma peça solta no tabuleiro do grande puzzle para o qual não vale muito a pena tentar descobrir outro sentido que não o que uma palavra somada à anterior e aquela à seguinte, pela própria inexorabilidade do desenrolar de texto e música, irremediavelmente desenham. Mas talvez tudo fique um pouco mais claro se recuarmos até 2008, após a publicação de OH (Ohio).
A “art country orchestra symphonette” que, no início dos anos 90, começou por se chamar Posterchild e, enquanto Lambchop, tinha chegado ao décimo álbum de estúdio – com dois ou três clássicos no currículo (pelo menos, How I Quit Smoking, 1996, e Nixon, 2000) e deixando perplexa, pelo caminho, a tribo dos classificadores, incapaz de se decidir entre pós-country, funk-folk, pós-folk ou country de câmara –, parecia decidida a pôr um ponto final na trajectória, regressando Kurt Wagner à sua primeira paixão, a pintura. Cerca de um ano mais tarde, porém, coincidindo com a morte de Chesnutt, o produtor Mark Nevers – fã dos Ramones mas valete indispensável na corte dos Silver Jews, Calexico e Bonnie "Prince" Billy – desafia-o para cúmplice de uma conspiração musical, sob o nome de código “Psycho-Sinatra”: inspirado pela escuta de September of My Years (LP de Frank Sinatra de 1965) e pela sofisticação dos arranjos de Gordon Jenkins, o plano era enviar canções de Kurt Wagner a orquestradores externos (Peter Stopschinski e Mason Neely), tratando Nevers de, a seguir, desmontar e recompor as partituras, fazendo uso de cada fragmento como se de um instrumento solista se tratasse.
No papel, parece mais bizarro do que, finalmente concretizado, acabou por ser. Qual discípulo de Raymond Carver determinado em conduzir o minimalismo às últimas consequências através de uma espécie de "cut-up" impressionista, Wagner alinha frases esquartejadas e observações sobre o trabalho de composição (“Grandpa’s coughing in the kitchen but the strings sound good, maybe add some flutes” ou “A sentence past is paraphrased and you pick up trash in the rain, beside the motor-way”) enquanto, à sua volta, a orquestra, entretida consigo mesma, desenha espirais. Antes disso, aguardara serenamente que cascatas disneyanas de cordas acabassem de se precipitar para lançar um “Don’t know what the fuck they talk about, maybe blowing kisses, and what difference does it make?”, para, depois, permitir que "Gone Tomorrow", aparentemente concluída, se dissolvesse num oceano sinfónico do “deconstructed freaky sound of the Sinatra era“. E, à vez, fantasia-se de Randy Newman, David Berman, Nat King Cole ou Mark Eitzel, imagina-se Stuart Staples pela mão de Van Dyke Parks soltando, aqui, “We have crawled among the elements, taking pictures with our phones”, ali, “The wine tasted like sunshine in a basement” e, mais à frente, ausenta-se e entrega o palco ao fantasma de Chopin que, a quatro mãos com Sérgio Mendes, inventa um sonho zen nos caldeirões do Inferno. Nada que não seja comum e previsível em qualquer 31 de Fevereiro habitual.
(2012)
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