05 December 2011

LUTA DE CLASSES


My Brightest Diamond - All Things Will Unwind

Meses antes de, a 10 de Outubro passado, o cidadão de Lower Manhattan, Lee Ranaldo, ter registado para a posteridade, no blog dos Sonic Youth, quatro minutos e dez segundos dos cânticos e palavras de ordem da multidão que ia e vinha do City Hall entregue à missão de ocupar Wall Street e, pelo menos, perturbar a digestão dos senhores do mundo, Shara Worden – "brooklynite" adoptiva – abandonava Nova Iorque e, de regresso ao Michigan natal, deparava com a devastação social de Detroit, cidade compulsivamente fantasma do pós-crash de 2008. O objectivo era “expor-me ao contraste entre a minha vida de artista em Nova Iorque e a violenta realidade de uma cidade onde praticamente não existem escolas públicas para as crianças e quase metade da população está no desemprego”. Acabou por aí ficar e, talvez porque lhe parecesse que aquele era um daqueles lugares onde se diria que “God’s away on business”, as palavras que lhe ocorreram para "There’s A Rat" (“There’s a rat in the kitchen and he’s eatin’ my cheese, there’s a snake in the cellar and he’s drinkin’ my wine, (…) a man at the door and his motive is wrong, Oh bankers, lawyers, thieves! Governors, mayors, police!”) não fossem muito diferentes das dessa canção teologicamente céptica de Tom Waits (“Who are the ones that we kept in charge? Killers, thieves and lawyers!”).



Deve dizer-se que Shara (aliás, My Brightest Diamond), nos três anos que decorreram desde o anterior segundo álbum, A Thousand Shark’s Teeth, esteve tudo menos inactiva: colaborou com Bryce e Aaron Dessner (dos National) no ciclo de canções multimédia, The Long Count, com os Clogs (de novo, Bryce, o violinista Padma Newsome e outros cúmplices) em The Creatures In The Garden Of Lady Walton, com Sarah Kirkland Snyder em Penelope, e com várias outras notabilidades como David Byrne, Sufjan Stevens, Matthew Barney ou Sarah Small. E – como informa o press-release da Asthmatic Kitty – preparou-se para gravar All Things Will Unwind “inspirada pelo facto de ter tido um filho, por conversas com Laurie Anderson, pelos discursos presidenciais de Obama e pela luta de classes”. Sim, a luta de classes, esse tópico, aparentemente sepultado nos anos do liberalismo mas que, de Wall Street a Detroit ou à estrebuchante Europa, teima em regressar.



Disfarçado do género de cabaret weilliano para jardim infantil que Jesca Hoop (mais outra Waits-"connection"...) poderia, facilmente, ter assinado, ele lá está em "There’s A Rat", logo a seguir, também em "High Low Middle" (“When you’re privileged, you don’t even know you’re privileged, when you’re not, you know”) e, minutos antes, no pouco menos que militantemente épico "Be Brave" (“This is going to hurt, be brave, dear one, be changed, be undone”). Tudo em registo de música de câmara contemporânea capaz de absorver a folk, timbres africanos, o jazz de New Orleans, o "lied" e explorações eruditas tal como o sexteto yMusic (artífices sonoros da intimidade de Björk, David Byrne, Grizzly Bear, Yo-Yo Ma ou St. Vincent) que a acompanha ágil e elegantemente os declinam. Não há que recear, porém, que Shara se tenha transformado num Woody Guthrie com diploma de conservatório: ela fala-nos de “flying neutrinos”, derrete melodias dedicadas à recente descendência, anuncia a participação na estreia de uma obra de David Lang sobre a morte da música clássica, a composição de uma peça para órgão e outra para um filme de Buster Keaton, recomenda PJ Harvey e St. Vincent e... ah!... numa sempre bem-vinda pescada de rabo na boca conceptual, revela que transporta Bad As Me, de Tom Waits, no iPod. Tudo gente boa, séria e da casa.

(2011)

3 comments:

margarete said...

vou levar o link da tag "My Brightest Diamond" para essa coisa do demo chamada facebook :>


p.s. many tanx

João Lisboa said...

Orraite.

Táxi Pluvioso said...

Não há ninguém em Detroit? então o presidente Báráque não salvou a auto industry?