16 November 2011

RESSURREIÇÃO

















Os Lacraus - Os Lacraus Encaram O Lobo

Como qualquer pessoa sofrivelmente culta sabe, só por imoderada arrogância (e a isso devemos estar infinitamente gratos) se continuou a escrever depois da Bíblia, do Épico de Gilgamesh ou do Mahabharata. Não por qualquer motivo de superioridade religiosa, teológica ou espiritual – nesse ponto, equivalem-se exactamente às crenças dos caçadores-recolectores do Sudeste Asiático, que acreditavam que o deus do trovão perdia as estribeiras se visse alguém a pentear o cabelo durante uma tempestade ou se encontrasse quem tivesse assistido a um acasalamento de cães – mas porque todas, literalmente todas, as histórias da desgraçada tragicomédia humana (nas suas incontáveis possibilidades e combinações), aí ficaram definitivamente registadas.



A Bíblia – em particular, o Antigo Testamento, esse portentoso repositório de divina violência gore, traição, inveja, pornografia, ficção-científica, incesto, irracionalidade e ódio –, por nos ser culturalmente mais próxima, desde a Idade do Bronze até hoje, permaneceu como matriz (aceite ou repudiada) de considerável parte da cultura popular e erudita, e não é sequer preciso evocar Leonard Cohen, Dylan, Springsteen ou toda a soul para nos apercebermos disso. Tiago Cavaco/Guillul/Lacrau é pastor Baptista mas não é por isso que, nesta muito apropriada ressurreição dos Lacraus, se aspiram odores bíblicos (ainda que subliminares) em todas as faixas: eles estão geneticamente impressos na natureza profunda desta antiquíssima música – rock’n’roll, variante punk – que praticam e que os autoriza a dedicar (mui excelentes) epístolas a Alexandra Lencastre ou Flannery O’Connor, a traduzir "Children Of The Revolution" para "Filhos da Ressurreição" ou a erguer, em "L.A.C.R.A.U.S.", o equivalente luso e perigosamente infecto-contagioso de "G.L.O.R.I.A.". Com arte final pop q.b., para ainda maior proveito de crentes, agnósticos e ateus.

(2011)

2 comments:

Lugones said...

As letras até são boas e o personagem Tiago Cavaco tem graça, mas esta música é muito fraca...uma vozita pop-rock inofensiva, com um fundo musical digno de uma banda sonora dos morangos com açúcar...fiz um esforço para gostar, mas foi inglório.

João Lisboa said...

Try again (mas há melhor no disco; videoclips é que só havia esse e um outro cujo teor religioso dos intertítulos foi rejeitado pelo religiómetro deste blog).