RESSURREIÇÃO
Os Lacraus - Os Lacraus Encaram O Lobo
Como qualquer pessoa sofrivelmente culta sabe, só por imoderada arrogância (e a isso devemos estar infinitamente gratos) se continuou a escrever depois da Bíblia, do Épico de Gilgamesh ou do Mahabharata. Não por qualquer motivo de superioridade religiosa, teológica ou espiritual – nesse ponto, equivalem-se exactamente às crenças dos caçadores-recolectores do Sudeste Asiático, que acreditavam que o deus do trovão perdia as estribeiras se visse alguém a pentear o cabelo durante uma tempestade ou se encontrasse quem tivesse assistido a um acasalamento de cães – mas porque todas, literalmente todas, as histórias da desgraçada tragicomédia humana (nas suas incontáveis possibilidades e combinações), aí ficaram definitivamente registadas.
A Bíblia – em particular, o Antigo Testamento, esse portentoso repositório de divina violência gore, traição, inveja, pornografia, ficção-científica, incesto, irracionalidade e ódio –, por nos ser culturalmente mais próxima, desde a Idade do Bronze até hoje, permaneceu como matriz (aceite ou repudiada) de considerável parte da cultura popular e erudita, e não é sequer preciso evocar Leonard Cohen, Dylan, Springsteen ou toda a soul para nos apercebermos disso. Tiago Cavaco/Guillul/Lacrau é pastor Baptista mas não é por isso que, nesta muito apropriada ressurreição dos Lacraus, se aspiram odores bíblicos (ainda que subliminares) em todas as faixas: eles estão geneticamente impressos na natureza profunda desta antiquíssima música – rock’n’roll, variante punk – que praticam e que os autoriza a dedicar (mui excelentes) epístolas a Alexandra Lencastre ou Flannery O’Connor, a traduzir "Children Of The Revolution" para "Filhos da Ressurreição" ou a erguer, em "L.A.C.R.A.U.S.", o equivalente luso e perigosamente infecto-contagioso de "G.L.O.R.I.A.". Com arte final pop q.b., para ainda maior proveito de crentes, agnósticos e ateus.
(2011)
16 November 2011
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2 comments:
As letras até são boas e o personagem Tiago Cavaco tem graça, mas esta música é muito fraca...uma vozita pop-rock inofensiva, com um fundo musical digno de uma banda sonora dos morangos com açúcar...fiz um esforço para gostar, mas foi inglório.
Try again (mas há melhor no disco; videoclips é que só havia esse e um outro cujo teor religioso dos intertítulos foi rejeitado pelo religiómetro deste blog).
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