03 October 2011

É MUITO TRISTE SER PAROLO (PARTE III)



"O 'acordo' [ortográfico] é essencialmente a adopção da norma brasileira. 'Ridículas', classifica o insuspeito Houaiss as modificações que o 'acordo' operaria no Brasil, adiantando que em Portugal são bem maiores. Não sei o que entende por 'escrever à antiga'. Escrevemos com a ortografia de Portugal em 2011, como escrevia Saramago. Ao invés, a ortografia brasileira que nos querem impor é dos anos 20 do século passado, tem 90 anos, e seguia as modas da 'orthographia positiva', que esteve em moda pelos anos de 1870 e que era coisa cediça já no segundo decénio do século XX, parte de diversas falácias e pontos de vista completamente ultrapassados.

O 'acordo' é um mau casamento do agressivo nacionalismo brasileiro em versão ortográfica* com a pusilanimidade e saloiice portuguesas. Achar, por exemplo que farmácia é mais 'moderno' do que pharmacia - quando o ph está vivo e de boa saúde nas línguas mais importantes do mundo - é, claro está, uma patetice. Que argumentos deste jaez convençam gente que os repete sem corar, serve apenas para nos lembrar que somos o país com maior taxa de analfabetismo da Europa (muito, muito longe da Espanha), que o Brasil tem 75% de analfabetos e que a iliteracia é transversal e marca toda a sociedade, lá como cá...

Há, no entanto, aspectos graves por esclarecer: os pareceres sobre o 'acordo' (entre os quais um da Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, fortemente negativo) foram ignorados sem que, contudo, fossem apresentados quaisquer estudos que os contrariassem, desconhecendo-se os fundamentos da decisão que os ignorou"(*http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)58-67.html)
(daqui)

+ Acordo Ortográfico: Visita Guiada ao Reino da Falácia, de Fernando Venâncio, na "Ler", de Setembro (leitura obrigatória)

(2011)

6 comments:

pcristov said...

é, sim senhor, de leitura obrigatória. engraçado que o refiras, porque foi o que fiz esta tarde, na revista que me chegou às mãos (e olhos) por simpatia de d. teresa, e do qual (do artigo, obviamente) destaco estes parágrafos que me fizeram umas cócegas nas bochechas:

(...) Pergunta-se: o que pode levar indivíduos de reconhecida qualidade científica a propor, e tornar a propor, medidas que um exame crítico, mais ou menos aturado, demonstra serem descabeladas, irresponsáveis, quando não idiotas? A resposta poderá espantar, mas tem de ser dita: tudo nasce desse embalador e entorpecente aconchego chamado «Lusofonia». Envoltos nessa doce quentura, mesmo os mais perspicazes espíritos perdem o tino. Em nome de uma fraternidade» que só existe nos seus delírios, exercem um poder duradouro que ninguém controla, nem eles próprios.

(...)

Eduardo Lourenço disse-o, há muito, com outra diplomacia: «A comunidade luso-brasileira é um mito inventado apenas pelos portugueses. Nunca formaremos um conjunto.» E mais: «Para o nosso presente mútuo seria urgente rever, de uma ponta à outra, toda essa história imaginária, hipócrita e nefasta nos efeitos produzidos, que se esconde sob a etiqueta de relações culturais entre Portugal e o Brasil.»

(...)

A nossa Academia funciona já cronicamente em «modo» lusófono. Os políticos não quiseram ficar atrás, e foram assinando de cruz tudo quanto prometesse mais «lusofonia». (...)

João Lisboa said...

É isso mesmo. D. Teresa seja abençoada por Zeus.

Táxi Pluvioso said...

"Saloiice portuguesa"? há portugueses que não o sejam? em 100 anos de procura nunca encontrei nenhum, quem se julgue que não o é, encontrei, e muitos, milhares, que se julgam franceses (antigamente) ou americanos (agora), cultos, de dedinho espetado, por consumirem qualidade.

O acordo é para os jovens, velhos já não aprendem línguas, e é necessário, para uniformizar a escrita. Que este acordo é complicado, mantém duplas grafias? pois, é para mentes mais ágeis mais jovens. E até é um acordo muito puritano, as mudanças deveriam ser muito maiores, para incluírem as modificações na escrita, resultantes dos novos gadgets.

Como não existe Internet em português, a não ser que se considere Pacheco Pereira Internet, sucede um fenómeno engraçado nas escolas, alunos que falam com sotaque português, mas escrevem em brasileiro, cortesia do copy/paste: a mais importante tecnologia dos intelectuais portugueses.

Ah! a pharmacia, antes de inventarem as pastelarias, era nelas que nos reuníamos para digestivos e dois dedos de conversa. E devo dizer, desde que tiraram o "c" de fructa, ela nunca mais me soube ao mesmo. E então o acento de séde? ainda hoje se confundem os portugueses se estão em sede de IRS ou com sede de impostos.

Táxi Pluvioso said...

... claro que não existe lusofonia, o português é mal visto em todo o lado, portuga tem má, justificada, reputação, mas a questão não é essa. Há uma língua, e para a sua difusão e até aceitação na comunidade internacional, tem que ter uma norma de escrita.

João Lisboa said...

"Que este acordo é complicado, mantém duplas grafias? pois, é para mentes mais ágeis mais jovens"

Complicado? O que ele é é absurdo e idiota, concebido para neurónios carentes de lubrificação.

"alunos que falam com sotaque português, mas escrevem em brasileiro, cortesia do copy/paste"

Não escrevem, fazem (é isso mesmo) copy + paste.

"Há uma língua, e para a sua difusão e até aceitação na comunidade internacional, tem que ter uma norma de escrita"

Foi isso que lixou o inglês: há mais de um século sem uma "norma de escrita" e é vê-lo hoje, falado por meia dúzia de povoados à beira do Tamisa.

Táxi Pluvioso said...

Só não percebo porque tão acintosa defesa da escrita vigente, e por que não defender a do início do século XX, ou do século XIX, ou do Afonso Henriques? Claro que todos os acordos são "absurdos e idiotas", aí não há volta a dar-lhe, uns, mais perto do céu, têm a verdade, os outros, nas camadas mais inferiores, não. Depois as posições invertem-se. Haverá sempre velhos do Restelo e jovens das Olaias. Portanto, qualquer mudança é boa e má ao mesmo tempo, assim aplique-se, melhor, implemente-se, e sigamos para bingo, que os portugueses terão algo mais para pensar, como, por exemplo, viver 2012 sem os subsídios de férias e de Natal.

Copy / paste é escrever e não preciso de dar exemplos. E sim, o inglês tem uma norma de escrita, o português é que não.