AQUI, DE NOVO
The Feelies - Here Before
Não é apenas uma questão do inevitável efeito da passagem do tempo. Nem sequer aquela tendência para, ciclicamente, promover ao estatuto de genialidade exemplares vários que – justa ou injustamente –, na devida altura, foram olimpicamente ignorados. O que se passa, no caso dos Feelies, é que, não se dando muito por isso, com eles, aconteceu algo não muito diferente do que as enciclopédias registam em relação aos Velvet Underground: álbum de estreia (Crazy Rhythms, 1980) tão lendário quanto imperceptível o seu rasto pelas grandes avenidas do comércio discográfico (apesar de, dois anos antes, o “Village Voice” os ter qualificado como “a melhor banda underground de Nova Iorque”); alterações diversas ao elenco original; segundo álbum (The Good Earth, 1986) com o mesmo destino do primeiro, tendo, então, cabido a Jon Pareles, do “New York Times”, o quase-epitáfio: “The New York area’s best-loved underground rockers since the late 1970’s”; terceiro e quarto (Only Life e Time For A Witness, de 1988 e 1991) repetiram o padrão (Robert Christgau: “Once again they rock out while shedding their grace on thee”); pausa de 20 anos e, agora, Here Before.
Selvagem e Perigosa - Real. Jonathan Demme (1986)
Entretanto, pelo caminho, tanto individualmente, como em múltiplas encarnações paralelas – The Trypes, Yung Wu, The Willies, Speed the Plough –, a micro-dimensão inicial do culto foi-se ampliando e as vénias foram-se sucedendo (dos R.E.M. aos Sonic Youth e prole estética posterior), não sendo verdadeiramente motivo de admiração que Jonathan Demme ou Noah Baumbach tenham incluído temas da banda em Selvagem e Perigosa e A Lula e a Baleia, que o podcast “HBR Idea Cast”, da “Harvard Business Review” (sim, sim, coisa séria) escolhesse "Crazy Rhythms" como genérico de abertura ou que, na edição de 2009, da secção Don’t Look Back do All Tomorrow’s Parties, os Feelies tenham sido convidados para a execução integral do seu álbum inaugural.
Não existe, propriamente, uma regra que estipule, de forma indiscutível, os requisitos e condições adequados para que um grupo, muito depois de ter posto termo à existência, considere a hipótese de retornar aos lugares (palco e/ou estúdio) onde foi feliz. Em alguns casos, resulta (retomando o paralelismo anterior: o "second coming" dos Velvet Underground foi imaculado), noutros (CSN&Y, por exemplo), mais valeria não se terem incomodado. Quando, há três anos, os Feelies ensaiaram o regresso aos concertos, o momento foi circunscrito por evocações das origens (“O nosso manager costumava interrogar-se sobre qual seria o instante em que iríamos explodir em palco”) e reafirmações de princípios (“A nossa sonoridade define-se tanto pelo que tocamos como pelo que decidimos não tocar. E essa atitude vai para além da música: sempre que possível, nunca falar demasiado”), mas não estava ainda, realmente, prevista a adição de um novo tomo à discografia.
Consumada, enfim, a gravação de Here Before – quinto álbum numa trajectória com três décadas – como o encarar? Antes de mais, não se trata (nunca poderia tratar-se) de um novo Crazy Rhythms, esse monumento à hipertensão da guitarra eléctrica. Mas porque, com as melhores bandas, tudo se passa como, quando após um longo interregno, se volta a subir para uma bicicleta, Glenn Mercer, Bill Million e os restantes Feelies-versão II, nada desaprenderam, situando-se, hoje, entre a iridiscência abstraccionista de "When You Know", o lirismo ácido (olha a matriz dos R.E.M.!) de "Should Be Gone" e, mais generalizadamente, um passo adiante relativamente ao ponto – pastoralidade-rock e minimalismo – em que tinham deixado o assunto no seu segundo (e segundo melhor) álbum, The Good Earth. O que não pode ser senão considerado como uma excelente notícia.
(2011)
28 June 2011
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