18 April 2011

SINAIS EXTERIORES DE RIQUEZA



Panda Bear - Tomboy

Parecendo que não, o Direito Fiscal tem duas ou três liçõezinhas importantes para ensinar a teóricos, práticos e críticos da coisa-pop. Por exemplo, naquilo que diz respeito ao que deverá ser considerado como sinais exteriores de riqueza. O que – socorrendo-nos das bíblias do assunto – ocorre quando, “apresentando manifestações de fortuna desproporcionadas em relação aos seus rendimentos, o contribuinte não apresente a sua declaração de rendimentos ou, apresentando-a, os rendimentos declarados mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado”. Que é como quem diz, declarar o salário mínimo e (continuando a citar as Sagradas Escrituras) ser o felicíssimo proprietário de “barcos de recreio de valor igual ou superior a 25.000 euros, aeronaves de turismo ou automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 50.000 euros e motociclos de valor igual ou superior a 10.000 euros” cheira a esturro e convida “a administração tributária a proceder à avaliação indirecta do rendimento tributável”.



Ora, acontece que, escutando Tomboy, de Noah Lennox (aliás, o Panda Bear do pequeno zoológico internacionalmente conhecido como Animal Collective), levantam-se seriíssimas suspeitas de que existe uma desproporção claramente superior a 50% relativamente aquilo que ele declara como legitimamente seu em contraste com os ostensivos sinais exteriores de riqueza estética que exibe, fazendo pensar que aqui se configura um evidente caso de enriquecimento musical ilícito. Observemos mais de perto: o processo de acumulação primitiva de capital iniciado em Baltimore, há década e meia, com um pequeno negócio de vão-de-escada designado como Automine (comercialização de contrafacções artesanais de Syd Barrett, Can, Silver Apples e Penderecki), após diversos "spin-offs" e paralelos "mergers", criou as condições para que, finalmente, em 2009, Merriweather Post Pavilion consagrasse o já florescente emprendimento Animal Collective (anteriormente deslocalizado para Nova Iorque) como uma das mais promissoras "brands" da pop-indie norte-americana. O "core business" centrava-se numa cornucópia sonora neo-psicadélica, então já claramente rendida à sedução dos mecanismos da canção tal como a conhecemos. Na altura, ele próprio também relocalizado em Lisboa, Lennox mantinha actividade enquanto empresário em nome individual que deu origem a Person Pitch (2007), produto mediterrânico e solar, e, agora, ao caso em análise, Tomboy.



Apresentado como modesto e rudimentar projecto de cave sustentado por "overdubs" vocais e guitarras processadas em sintetizadores de loja-do-chinês, quando escutado atentamente, revela, porém, uma impressionante riqueza não declarada que se traduz no luxo asiático de iridiscentes leques corais (dir-se-iam três ou quatro compassos subtraídos fraudulentamente ao património de Brian Wilson e infinitamente distendidos e ampliados para a dimensão de quase-madrigais) submetidos à lógica matemática e à abstracção ambiental como Terry Riley as definiu, e densamente texturados por um Phil Spector renascentista para melhor ressoarem em catedrais digitais, tudo convenientemente maquilhado pela contabilidade criativa de Peter Kember/Sonic Boom (Spacemen 3) para iludir os incautos e os atordoar com esta espécie de beatitude sonora intra-uterina. Nada, contudo, que uma cuidadosa avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto não seja capaz de desmascarar facilmente, fazendo uso, se necessário, do levantamento do sigilo estético.

(2011)

4 comments:

Tiago said...

Olá! Utilizando a lógica cretina dos meus amigos de oeiras que votam no Isaltino, pergunto: mas o trabalho que ele (o Noah) fez para a população é importante? e é melhor do que os outros que também fogem ao fisco que andam por aí (que é a grande maioria)?

João Lisboa said...

Não conheço a opinião da população sobre o Noah. Mas é bem melhor do que alguns outros devedores ao fisco.

Táxi Pluvioso said...

Mas também há os sinais interiores de riqueza: se em vez da rulote, comermos no Gambrynus ou no Eleven (espero que João Rendeiro ainda seja sócio, um dos eleven), dentro de nós estão sinais de riqueza. Quero ver com é que as Finanças os detetam?

João Lisboa said...

Endoscopia.