O HORROR DO DOMICÍLIO
Cristina Branco - Não Há Só Tangos Em Paris
Em jeito de justificação de página de diário, Cristina Branco escreve: “Quando uma recordação nos assalta muitas vezes temos que lhe procurar o ‘enredo’. Não há só Tangos em Paris, pode ser um disco de memórias ou de viagens ou flashes. Tenho um velho gira-discos, long plays do Gardel, tenho Buenos Aires e tenho Paris e Lisboa no coração, tenho Amália numa velha fotografia de 1945 no Rio de Janeiro, tenho o fado e o tango, tenho a imensa tristeza no convite à viagem (Baudelaire dizia que sofria do horror do domicílio)”. Fiquemos precisamente aqui, no “horror do domicílio”, essa mesma "malaise" de que Cristina padece: recordam-se de O Descobridor/Cristina Branco canta Slauerhoff (2002)? De Ulisses (2005)?
Desta vez – entre Buenos Aires, Lisboa e Paris – o lema (que, como ela própria confessa, poderia muito bem ter sido o título do álbum) é o “convite à viagem”, tal como Baudelaire o redigiu, apontado a um destino onde “tout n'est qu'ordre et beauté, luxe, calme et volupté”, espécie de prolongamento de Sensus (2004), do fado-fado ("Se Não Chovesse Tanto, Meu Amor") ao tango-tango ("Anclao En Paris") à chanson ("Les Désespérés", de Brel) e aos inúmeros pontos intermédios “entre a miséria e a luxúria”, com uma flor vermelha no cabelo de azeviche de Amália Rodrigues em fundo. O fado não perdeu uma admirável voz que, verdadeiramente, nunca foi sua mas, antes, ganhou aqui (como já, antes, clarissimamente, se pressentia) todo um luminoso espectro de sentidos e ressonâncias que, enriquecido pela guitarra portuguesa de Bernardo Couto, a viola de Carlos Manuel Proença, o contrabaixo de Bernardo Moreira, o piano de João Paulo Esteves da Silva e o acordeão de Ricardo Dias, o desafiam a abandonar o conforto das vetustas calçadas de Lisboa.
(2011)
24 February 2011
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
3 comments:
Adorei esta música! É do Pedro dos Deolinda? Muito bom, mesmo!
"É do Pedro dos Deolinda?"
É, sim.
Tenha um bom dia, meu amigo!
Post a Comment