LÓGICA NO LABIRINTO?
Sufjan Stevens - The Age Of Adz
Antes de mais, agradeçamos a Sufjan Stevens ter-nos aliviado da ritual penitência de, a cada nova publicação sua – e não têm sido exactamente raras – , nos interrogarmos acerca do que se passará com a prometida série de 50 álbuns, um por cada estado norte-americano? Acabou-se. Kaput. Sete anos depois de Michigan e cinco após Illinois (não incluindo The Avalanche: Outtakes and Extras from the Illinois Album, de 2006, e The BQE, 2009, também potencialmente adicionáveis ao índice), Sufjan anuncia que tudo não passou de um devaneio que, dificilmente, alguma vez concretizaria (basta fazer as continhas: com 48 estados em falta e 35 anos de idade...) e que terá sido levado demasiado a sério. Mas, sendo ele quem é, se abdicou de um projecto megalómano, foi para mergulhar de cabeça numa crise de identidade estética, daquelas de revirar as entranhas criativas. Declarando-se tolhido pelo formato da canção pop e pelo seu modelo narrativo, confessou ter optado por se “desarmar das ferramentas que melhor domino, o que é um bocado aterrador. Não quis escrever acerca de personagens, acontecimentos ou lugares. Quis funcionar mais por instinto. Claro que sei perfeitamente que isto é um cliché e que, da criação por instinto, não surge, necessariamente, boa arte. Mas senti que tinha a obrigação de ir com isto até ao fim”.
Na verdade, tanto The BQE – painel sinfónico/cinematográfico sobre uma velha autoestrada de Nova Iorque – como o recentíssimo EP (de uma hora de duração) All Delighted People eram já sintomas desse conflito interior com os constrangimentos do idioma pop. E, no caso do último, realmente prenunciador de que o que se lhe seguiria reunia todos os elementos para projectar definitivamente Sufjan Stevens para o panteão dos génios da música americana ou... para o empurrar para um desastroso trambolhão no armazém da sucata do prog-rock e deformidades afins. Concebido como um testemunho do próprio processo de ruptura estética, The Age Of Adz “reflecte essa espécie de ansiedade e de confusão que nunca deixou de estar comigo: que é isto que eu faço? que linguagem é esta que uso? Sempre carreguei este peso porque não desempenho um papel prático na sociedade – não sou canalizador, nem engenheiro, nem biólogo, sou apenas autor de canções”.
E nada lhe pareceu mais apropriado para acelerar a resolução da querela íntima do que tomar como fonte de inspiração – e tema para a capa e título do álbum – a obra pictórica de Libra Patriarch Prophet Lord Archbishop Apostle Visionary Mystic Psychic Saint Royal Robertson, pintor negro de tabuletas da Louisiana, esquizofrénico, e praticante de uma variante da “outsider art” (aquilo que Jean Dubuffet designava por “art brut”), que fazia ferver no mesmo caldeirão o Apocalipse, viagens espaciais, numerologia, messianismo e a “conspiração feminina global” decorrente do alegado adultério da mulher. O resultado é (na falta de melhor definição) - assaz problemático. Assumindo que o que sobrou de canções propriamente ditas foi “como que imposto sobre sequências abstractas de som”, praticamente todo o CD parece, de facto, traduzir um imenso estado de confusão mental, num desvairado mosaico sonoro que agrega borborigmos electrónicos, passagens corais, secções orquestrais à beira de um ataque de pânico, sopros free, alusões barrocas e Auto-Tune, que culmina nos esgotantes vinte e cinco minutos finais de "Impossible Soul". Ao primeiro impacto, dir-se-ia algo que poderia ter sido assinado por Joanna Newsom sob o efeito de uma overdose de mescalina. Mas há que reservar o julgamento por algum tempo e permitir que uma mais prolongada digestão possa identificar uma lógica no labirinto.
(2010)
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