10 November 2010

NATURAL/ANTINATURAL












Desde o primeiro instante – isto é, desde o seu álbum de estreia homónimo, de 2007 –, teriam sido necessárias uma cegueira e surdez verdadeiramente obstinadas para não reparar como o jogo para que os Vampire Weekend nos desafiavam era o da mais refinada ironia e da deliberada ambiguidade acerca do lugar que, na pirâmide social, uma banda de rock que se preza deve ocupar. Ou será que se consegue escutar uma canção intitulada "Cape Cod Kwassa Kwassa" e digerir-lhe o texto (“As a young girl, Louis Vuitton, with your mother, on the sandy lawn, as a sophomore, with reggaeton, and the linens you're sittin' on, is your bed made? is your sweater on? do you want to fuck? like you know I do, feels so unnatural, Peter Gabriel too, can you stay up to see the dawn, in the colors of Benetton?”) sem que nos apercebamos que, naquela recitação cruzada de marcas, estereótipos de classe e, sobretudo, na evocação de Peter Gabriel – representante máximo da apropriação das “músicas do mundo” pela intelligentsia bem pensante do Ocidente – enquanto símbolo de um procedimento “antinatural”, se encontrava praticamente um sarcástico manifesto integral contra-o-rock-tal-como-o-conhecemos?



E, reforçando a imagem de betos licenciados da Ivy Leaguer, universidade de Columbia, não se ficaram por aí: anunciaram que o seu código de honra proibia demasiados rockismos, guitarras distorcidas, trip-hop e pós-punk, e, quando interrogados acerca dos seus heróis novaiorquinos, Ezra Koenig não hesitou em nomear Ralph Lauren, criador do “pólo” do mesmo nome. Adicione-se ainda a isto um eufórico reportório de literatas canções acerca de minudências gramaticais, arquitectura barroca e desencontros amorosos no campus, encadernadas em remoínhos de guitarras “africanas”, ska de terceira geração e classicíssimos arranjos de cordas que trepou pelas tabelas de vendas, e teremos a receita acabada para a indignação crítica perante a usurpação da “música do povo” pela burguesia WASP do Upper West Side.



Inevitavelmente, aquando da publicação, o ano passado, do óptimo segundo álbum, Contra (1º lugar nos EUA e Reino Unido e confirmação da possibilidade de uma banda indie furar a via do mainstream sem perda de credibilidade), os quatro Vampire viram-se obrigados a explicar que, entre origens iranianas, judias leste-europeias, italianas e ucranianas, a nenhum assenta realmente bem, o carimbo WASP; que não frequentaram Columbia por privilégio de berço mas através de bolsas que fizeram por merecer; e, acima de tudo, quanto os irrita a ideia de que, “por termos escrito uma canção como ‘Mansard Roof’, somos, necessariamente, putos ricos e estragados com mimo. Como se, para ter acesso a informação acerca de estilos arquitectónicos, fosse obrigatório ser filho de investidores na banca. Cultura e educação não são sinónimos de riqueza”. E culpa não é também algo que sintam devido à alegada pilhagem da "world music": “O que nos interessa é a modernidade da música africana, não pretendemos apossar-nos de nada que soasse tribal. Eles usam guitarras eléctricas. Não se trata de nenhuma terra mítica de antes do início dos tempos”. Afinal, nada que, de Elvis Presley aos Rolling Stones, Paul Simon ou... Peter Gabriel, não tenha sido norma corrente, aceite e oficial no pop/rock. Natural ou antinaturalmente.

(Vampire Weekend, hoje, no Campo Pequeno)

(2010)

1 comment:

Unknown said...

Optimo concerto... Conciso, dinâmico e com grandes canções, simples mas com mil ideias a adorná-las. Que voltem sempre!