A HERANÇA E OS HERDEIROS
Magic Kids - Memphis
All Delighted People - Sufjan Stevens
No “Guardian”, Paul Lester apresenta a questão de forma absolutamente clara: “Quem prefeririam ver – os três membros sobreviventes dos Beach Boys, de 68 anos, com um elenco de familiares, amigos e o leiteiro de passagem, a cantar canções que escreveram há quase meio século sobre miúdas adolescentes chamadas Wendy e proezas que nem por essa altura seriam capazes de realizar, ou um grupo de putos de vinte e poucos anos que oferece uma versão de baixo orçamento do mesmo?” A pergunta não é retórica porque as duas opções, de facto, existem: para o próximo ano – momento em que se comemora o 50º aniversário dos Beach Boys – Mike Love anunciou já a reunião dos elementos ainda vivos do grupo; e, como, logo um parágrafo abaixo, Lester afirma, os Magic Kids são os Beach Boys de Memphis entregues à missão de recompor até ao mais ínfimo pormenor a música dos dias de glória da banda de Brian Wilson “antes de o aventureirismo e os desconcertantes jogos de palavras de Van Dyke Parks lhe terem virado a cabeça do avesso”.
Sejamos justos: nos oceanos surfados por Wilson, irmãos & associados, já inúmeros outros – mais ou menos recentemente, mais ou menos explicitamente – igualmente navegaram, dos Concretes, Camera Obscura, Beach House, She & Him, Grizzly Bear, Animal Collective ou Fleet Foxes aos vetustos Big Star e Association ou aos oficiosamente reconhecidos Wondermints, cujo perito em assuntos-BB, Darian Sahanaja, actuou, em 2004, como braço direito (e, eventualmente também, esquerdo...) de Brian Wilson na reconstituição do lendário Smile. Por outro lado, nem é indispensável ouvir Memphis com demasiada atenção para se reparar como a ementa dos moços é algo mais variada do que uma exclusiva monodieta californiana: eles também escutaram os Seekers (olha o ostinato de piano de "Georgy Girl" em "Hey Boy"!), os Herman’s Hermits ("I’m Into Something Good" a espreitar à transparência de "Phone"), os ELO, os Turtles, as Ronettes e os Lovin’ Spoonful, têm um fraquinho por Jack Nitzsche e não dizem que não a uns saldos catitas de Phil Spector. Sim, nada de novo debaixo dos céus, mas um fresquíssimo aperitivo confeccionado com matérias-primas de boa qualidade.
Sejamos ainda mais justos: herdeiro verdadeiramente legítimo de Brian Wilson, actualmente, existe apenas um e chama-se Sufjan Stevens. E "herdeiro" no mais desejável sentido de quem, sem lhe macaquear os tiques, continua e enriquece uma peculiar visão musical da América, trabalha sobre os mesmos planos de complexidade vocal e orquestral e, higienicamente, presta bastante pouca atenção às tendências do momento. Colocado para "download" no seu site da Net, All Delighted People é um EP (de 60 minutos!) que Sufjan descreve enquanto “homenagem dramática ao Apocalipse, ao 'ennui' existencial e a 'Sounds Of Silence’ de Paul Simon” e destinado a ocupar os fãs até ao próximo álbum – The Age Of Adz, gravado no estúdio dos National. Mas que – mesmo admitindo que se trata de objecto lateral e circunstancial – não deixa de ser um tanto problemático nas suas épicas e extensas incursões por opulentas orquestrações, massas corais e intermináveis deambulações de guitarra eléctrica. Aceite-se que não é de digestão fácil, dê-se-lhe o tempo necessário de maturação, mas, pelo sim, pelo não, acenda-se um sinal de alarme.
(2010)
29 November 2010
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