TEMPOS INTERESSANTES
Bandarra - Bandarra
Não é, de certeza, um exagero afirmar que se vivem tempos interessantes na música popular portuguesa. E, coisa que já seria muito menos previsível, tanto na área mais habitualmente bafejada pelas atenções dos media – a do pop-rock e adjacências – como naquela outra, descendente directa ou bastarda dos diversos cantautores clássicos e suas afinidades particulares, mais ou menos pronunciadas, pela tradição popular nacional. Os grandes responsáveis históricos pelo surgimento deste novíssimo filão exigem ser nomeados: por um lado, os Gaiteiros de Lisboa com a sua formidável iconoclastia e festiva erudição; por outro, a Sétima Legião que, com Sexto Sentido, desbravaram o território onde música moderna e arcaísmos remotos conviviam e se articulavam de forma natural e esteticamente consistente.
Com descendência mais ou menos interessante (dos Megafone à Naifa), é hoje que, verdadeiramente, os frutos começam a amadurecer e se pode escolher entre colher do neo-realismo pícaro dos Deolinda, do caldeirão transcultural dos OqueStrada, do folclorismo transviado dos Diabo na Cruz ou, agora também, do cocktail literalmente transatlântico dos açoreanos Bandarra. É obrigatório reconhecer que, para a estreia, dificilmente poderiam ter optado por melhores guias: Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa) e Luís Varatojo (Despe & Siga, Naifa), na qualidade de produtores, e António Pinheiro da Silva como purificador sonoro. O resultado, se não é uniformemente excelente – uma ou outra escorregadela para algum excesso de populismo poderiam ter sido evitadas –, não deixa, no entanto, de prometer feitos de maior relevo nesta entusiasmada conflagração de fado e tango, pop e ska, transpiração cigana e textos de saboroso sarcasmo ilhéu. Ponhamos, então, as coisas nestes termos: com um dois ajustes aqui e ali, poderemos muito bem estar perante um conjunto de gente capaz de vir a pisar o mesmo palco dos Gogol Bordello e não saír de lá envergonhado.
(2010)
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