17 August 2010

ESFORCEMO-NOS, SIM



GNR - Retropolitana

Tudo pediria para colocar o teclado em piloto automático e deixá-lo escrever sozinho “oito anos após o último álbum de originais, Do Lado dos Cisnes, saúda-se o regresso dos GNR, com Retropolitana”. Tudo pediria mas não vale a pena incomodar-se a pedir. Porque, ainda que o percurso dos GNR, desde o brilhante trio de partida – Independança (1982), Defeitos Especiais (1984) e Os Homens Não Se Querem Bonitos (1985) –, tenha tido algum perfil de montanha russa, nunca, verdadeiramente, como neste disco se aproximou tanto do que se assemelha perigosamente a um plano inclinado final. Não traz felicidade nenhuma fazer profecias destas: poucas bandas se podem orgulhar de ter contribuído de modo tão decisivo para a gramática da pop lusa como o grupo de Rui Reininho, Toli César Machado e Jorge Romão (sem esquecer o génio de Alexandre Soares nos capítulos iniciais).



Dos textos de Reininho (escrevi e não me arrependo que, no último meio século, apenas Alexandre O’Neill e Caetano Veloso coreografaram a língua portuguesa como ele) à tradução da new wave e do pós-punk para o perímetro entre Minho e Guadiana, não foi, obviamente, por acidente que os novíssimos pop-rockers do eixo FlorCaveira/Amor Fúria incluíram os GNR no seu panteão de divindades tutelares. A pequena tragédia é que Retropolitana tem muito pouco ou quase nada que o redima. Musicalmente raso, naquele registo de preguiçosa modorra-FM desesperantemente resignada e previsível, o que ainda resta de aventureirismo descobre-se apenas numa ou noutra curva das palavras e, mesmo aí – embora Reininho esteja geneticamente impossibilitado de escrever uma má letra –, a considerável distância das gloriosas gincanas semânticas a que tão mal fomos habituados. Esforcemo-nos, então, por acreditar que não é ainda a descida final da montanha russa mas só aquela queda arrepiante antes da escalada seguinte.

(2010)

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