30 June 2010

A SAIR DO VIVEIRO



Johnny Flynn - Been Listening

E, pela terceira vez este ano, tropeçamos naquilo que, de agora em diante, só poderá ser designado como o efeito-Laura Marling. Mas, antes de aí chegarmos, permitam-me um ligeiro recuo histórico e a indispensável contextualização. Londres, 2007: no já desaparecido Bosun’s Locker, de Fulham, e na Big Chill House, um bar de King’s Cross, encontrava-se, regularmente, um grupo de gente francamente imberbe mas perdidamente apaixonada pela mitologia folk, que incluía Emma-Lee Moss (futura Emmy the Great), Marcus Mumford, Laura Marling, integrantes avulsos dos Noah & The Whale, Johnny Flynn, Eugene McGuinness... aquele exacto tipo de genealogia intrincada e arriscadamente incestuosa que – por mais do que uma boa razão –, apesar de ainda em estado embrionário, ameaça poder vir a ser a única competição à altura para a que descobrimos (e nos obriga a profunda concentração) sempre que procuramos as relações “familiares” dos clãs Fairport Convention/Steeleye Span.



Caso vos interesse investigar o assunto, no “Independent” de 6 de Fevereiro do ano passado, Tim Walker ensaiava uma primeira "rota das pedrinhas" do que já é conhecido como a "nu-folk scene", viveiro de diversas notabilidades indie em ascensão (conferir acima) e de outras na rampa de lançamento. "Scene" que os respectivos protagonistas, obviamente, se apressam a negar que exista (“É o tipo de caracterização que me dá arrepios: parece uma história elitista de candidatos a figuras 'cool'. Somos uma comunidade musical aberta”, rosna Johnny Flynn) e perante a qual os inevitáveis defensores da “autenticidade” se irritam, não levando a bem que putos de sotaque "posh" se atrevam a reinvindicar como sua a sacrossanta tradição.



Laura Marling, então. A mesma ninfeta que – em modo coração-despedaçado – inspirou The First Days Of Spring, dos Noah & The Whale, a musa de Marcus Mumford em Sigh No More, dos Mumford & Sons, a autora dos óptimos Alas I Cannot Swim (2007) e I Speak Because I Can (2010) e motivo para alusão, sob forma de anagrama, no título da estreia de há dois anos, de Johnny Flynn, A Larum (aliás, Laura M). E, ainda que apenas numa única canção ("The Water"), ei-la também presente em Been Listening, a simultânea confirmação de que a "nu-folk scene" londrina é algo de bem mais promissor que o "free-folk" transatlântico e de que Johnny Flynn – sul-africano de nascimento, actor shakespeareano, poeta, 27 anos – é, com toda a certeza, um dos "nu-folkers" a que vai ser obrigatório prestar atenção. Porque o que “ele tem andado a ouvir” e transparece, já muito satisfatoriamente digerido, é tanto a riquíssima herança dos Thompsons, Hutchings e Carthys como, naturalmente, aquela mais recente de Morrissey ou Jeff Buckley, rasgadas por uma ou duas labaredas da guitarra de Anna Calvi. Milagrosamente, sem qualquer sombra de atrito, incompatibilidade ou razão para suspeita de manobra calculada, num magnífico álbum que contém onze das mais perfeitas canções que, este ano, iremos poder escutar.

(2010)

No comments: