01 June 2010

NÃO, NÃO É SÓ A CANÇÃO DE LISBOA
(sequência daqui)

José Alberto Sardinha - A Origem do Fado

É bem provável que inúmeras resistências surjam à tese defendida por José Alberto Sardinha nestas cerca de 600 páginas que dedica à vexata quaestio das origens do fado. Em primeiro lugar, as que decorrem de toda a argumentação assentar num ponto de vista – já aflorado em obras anteriores do autor – que contraria radicalmente um dos mais generalizados lugares-comuns (convertido em convicção e bandeira): o fado não é “a canção de Lisboa” mas sim, um género da tradição oral popular que, desde o início, foi praticado por todo o país. Depois, os partidários das diversas “teses das origens” (árabe, marítima, trovadoresca e, de maior relevância actual, brasileira/africana) que terão alguma dificuldade em digerir a torrencial exibição de testemunhos com que Sardinha ensaia a sua desmontagem.



Por último, quem possa adivinhar um ressurgimento de arrebatamentos nacionalistas na defesa da ideia de que o fado – de novo, encarado como “canção nacional” – poderá ter uma certidão de nascimento exclusivamente lusa, ainda que decorrente de um património literário mais comummente europeu. Porque, sintetizando perigosamente em meia dúzia de linhas uma investigação de mais de trinta anos, o que Sardinha sustenta é, essencialmente isto: “o fado, nos seus primórdios, representou o último estádio do romanceiro tradicional”, o qual “ao longo dos séculos, (...) foi perdendo o carácter épico inicial e foi-se progressivamente novelizando até versar quase exclusivamente assuntos de carácter amoroso ou trágico-sentimental”, tendo como agente criador e difusor os músicos e cegos mendicantes que, “nas vilas e cidades, nas aldeias, nas feiras, festas e romarias”, o interpretaram e popularizaram. Matéria, de agora em diante, de referência obrigatória, o mínimo que se pode desejar é que A Origem do Fado constitua um novo ponto de partida para o debate sobre tema tão simbolicamente sensível.

(2010)

2 comments:

Anonymous said...

Ótimo texto.
O arrebatamento nacionalista, na música, nunca é ruim.
Se a música exprime o inexprimível, muitas vezes é preciso olhar para trás para ver o futuro.
Já deu vontade de comprar o livro.

João Lisboa said...

"O arrebatamento nacionalista, na música, nunca é ruim"

O arrebatamento nacionalista é sempre ruim. Em tudo.