01 April 2010

VISITA GUIADA



Get Yer Ya-Ya’s Out




Rolling Stones Live At The Max




Terrifying/The Legendary Atlantic City Concert

Breve visita guiada à história da música popular, na segunda metade do século XX: primeira paragem, Madison Square Garden, 27 e 28 de Novembro de 1969, antepenúltimos concertos dos Rolling Stones na digressão que, a 6 de Dezembro, terminaria em Altamont e, aí, extinguiria oficialmente os fumos de “paz & amor” da década. A tournée havia começado menos de três meses após o festival de Woodstock e um pouco mais depois de Armstrong e Aldrin terem caminhado sobre a Lua. Richard Nixon tinha sido eleito presidente dos EUA, um movimento radical de estudantes ocupara a universidade de Harvard e o massacre de My Lai, no Vietname, ocorrera apenas há dois meses. Nos bastidores dos concertos, circulavam Jimi Hendrix, Jerry Garcia, Janis Joplin e o yippie Abbie Hoffman que tentara ludibriar a segurança, fazendo-se passar pelo coronel Tom Parker, o famigerado empresário de Elvis Presley.



Com reportório assente em Beggars Banquet (do ano anterior) e Let It Bleed (que seria publicado uma semana depois), a digressão daria origem a Live'r Than You'll Ever Be, um dos primeiros bootlegs ao vivo, e a Get Yer Ya-Ya’s Out, o live acerca do qual Lester Bangs, um ano mais tarde, escreveria: “Numa época em que a maioria dos concertos se tornou quase embaraçosa no seu exibicionismo e excesso, Ya-Ya’s pontapeia-nos para fora da cadeira. Não o amamos apenas pelo que é mas também por aquilo que ele não é”. E, concentrando-se na última faixa, concluía: “’Street Fighting Man’ eleva o concerto a um nível de intensidade estratosférica que simplesmente se ergue acima do resto do álbum e lhe serve de síntese”. Nos últimos dias da aventura americana, Mick Jagger, aos 26 anos, resmungava “Não podemos continuar a fazer isto eternamente, estamos a ficar demasiado velhos”.



Segunda paragem: digressão "Steel Wheels/Urban Jungle" (na extensão europeia), de Agosto de 1989 a Agosto de 1990, entre os EUA, a Europa – a 10 de Junho de 90 picaria o ponto em Lisboa, no estádio de Alvalade – e o Japão, quase 120 concertos e um colossal sucesso financeiro. Filmados em Londres, Berlim e Turim, em toda a glória do sistema IMAX, os Stones actuam num gigantesco cenário disneyano, repleto de “exibicionismo e excesso”, Jagger muda de guarda-roupa entre cada duas canções, os ângulos de filmagem oscilam entre o hagiográfico e o acrobático. Três passos antes do último (a inevitável "Satisfaction"), é a vez de "Street Fighting Man", a tal canção que Jagger e Richards haviam escrito inspirados no revolucionário trotsquista Tariq Ali e nos motins parisienses de Maio de 68 (“Nessa altura, Londres era uma cidade muito pacata… Em França mas também na América, vivia-se uma época muito estranha por causa da guerra do Vietname e de todas aquelas revoltas constantes. Pareceram-me tempos óptimos, violentos. Em França quase derrubaram o governo”, diria ele, mais tarde, a Jann Wenner, da “Rolling Stone”): do lado direito do palco, um enorme dragão insuflável multicolorido contorce-se. Qual S. Jorge, Jagger investe sobre ele, de peito aberto e lança em punho, até ser, metaforicamente, devorado. O cenário de 68 virara BD, Mick Jagger tinha 47 anos e, até hoje, “demasiado velho” ou não, continuaria “a fazer aquilo”. The show must go on.



Terceira paragem: Atlantic City, New Jersey, 1989, ainda a "Steel Wheels Tour". Nem músicos com a dimensão dos Stones estão imunes a que o "business as usual", na sua versão mais rasteira, os abocanhe. Quem viu as imagens e escutou o som de Live At The Max, dificilmente acreditará que se trata da mesma banda e da mesma digressão que aqui – com os special guests John Lee Hooker, Clapton e Axl Rose - se apresenta: há DVDs domésticos de qualidade facilmente superior em todos os parâmetros de avaliação e este apenas poderá beneficiar da atenuante de, logo no título, se anunciar tal como, realmente, é – Terrifying.
Sumário: Get Yer Ya-Ya’s Out, na sua opulência de caixa contendo a gravação original, um CD de inéditos, outro (óptimo) com as participações de B. B. King e Ike & Tina Turner, um DVD (dispensável a não ser pelo carácter documental) de cinco temas e um booklet de 28 páginas (fotos, textos, memorabilia) em "hardback", é material de consulta indispensável; Live At The Max satisfaz os interessess de quem prefere os Stones maduros, em versão-Grand Guignol, e acredita piamente que eles continuam a ser "the greatest rock’n’roll band"; Terrifying, na ausência da acção directa de um qualquer grupo de "street-fighting men", é apenas um caso de polícia.

(2010)

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