06 April 2010

"DESCOBRI QUE AQUELA FIGURA SE CHAMAVA ELIZABETH SIDDAL"


"Foi uma paixão pela imagem, pelo quadro da 'Ofélia', do [John Everett] Millais (1851-52). Uma grande paixão, um 'coup de foudre'. Essa imagem acompanhou-me sempre. E depois [continuou] durante a vida, sempre com a minha fortíssima anglofilia a dominar sobre a minha formação românica, francesa. Tem sido sempre assim e isso é uma coisa boa que me tem acontecido: como não é uma cultura académica, é sempre uma descoberta pessoal, não vai orientada por ninguém. Aos poucos, com todo o século XIX inglês, fui descobrindo a existência de personagens. Descobri que aquela figura se chamava Elizabeth Siddal. Foi um encontro continuado que se foi aprofundando.

"Ophelia", John Everett Millais, 1851-52

Mas tenho esse encontro com muita gente, com Emily Brontë [escritora inglesa do século XIX], com Isadora Duncan [bailarina americana do final do século XIX], pessoas minhas, da minha vida, do meu dia-a-dia. Pessoas com as quais estou, muito naturalmente. Depois, à medida que fui aprofundado, a história começou a transformar-se numa história de amor extraordinária. Chegou a altura em que também, sem qualquer objectivo, por pura curiosidade, como leio todas as coisas que se referem à Inglaterra do século XIX, cheguei às biografias. Por acaso, a primeira até era uma biografia francesa do Dante Gabriel Rossetti, e deparei-me com esta história de amor lindíssima. Fui por aí fora, nos trabalhos biográficos sobre os pré-rafaelitas, que são muitos. E descobri uma segunda coisa fascinante, dava-me a impressão de que eles não percebiam nada. (...)



Toquei, com a mão, na única folha que chegou até nós, do caderno que foi enterrado [Dante Gabriel Rossetti enterrou os seus versos nos cabelos de Lizzie]. (...) Isso é material altamente reservado, tal como a madeixa do cabelo de Rossetti, que está em Cambridge. Consegui que uma amiga (e os amigos não precisam de ser de grande convívio, mas de grandes gestos) do British Council, Carolina Trewinnard, escrevesse uma carta de recomendação que me deu acesso a estas relíquias absolutas: cartas, o cabelo e essa folha. Fiz toda a pesquisa com o meu namorado, uma pesquisa a dois. A recomendação da British Library foi que só uma pessoa podia folhear e sob alta vigilância. (...) É claro que não obedecemos. [risos] Vieram ralhar-nos! Nós não só mexíamos - era impossível não passar a mão -, como ainda nos deu aquela coisa de cheirar. Queríamos saber se a folha cheirava a alguma coisa. Foi aí que a senhora veio ralhar, ralhar, e praticamente fomos expulsos! Os investigadores não fazem aquelas coisas". (entrevista integral aqui)

(2010)

7 comments:

Unknown said...

A imagem "Ophelia" faz capa de um interessante livro intitulado "Biografia da Morte".

João Lisboa said...

Vi-o hoje mesmo na Bulhosa!...

Unknown said...

Foi? Eu vi na Bertrand há algum tempo e por acaso fiquei fascinado com a imagem da capa que desconhecia a autoria (até hoje).

Unknown said...

Aliás, o livro interessa-me também pela temática, não apenas pela capa, obviamente. Sou como o Woody Allen - compro quase todo os livros que tenham "morte" no título. E acabei de ler há dias um portentoso livro sobre a morte (e a iminência da morte): "Património" de Philip Roth. Mas não tinha "morte" no título, a bem dizer...

João Lisboa said...

Mas ficou na lista, não perde pela demora.

margarete said...

por causa deste artigo, esse nº do Y ficou no monte dos "não sei bem se lhe voltarei a tocar, mas não é para deitar fora"

João Lisboa said...

Há mais duas boas entrevistas com a Hélia Correia no "JL" e na "Ler". Mas a do "Público" é a que me parece que saiu realmente melhor.