DEPOIS DA CORRIDA AO OURO
B Fachada - B Fachada
Samuel Úria - Nem Lhe Tocava
Um ano depois de o petardo mediático FlorCaveira/Amor Fúria rebentar, ter-se-à tudo esfumado como acontece, regularmente, com as modas sazonais, ou haverá estilhaços valiosos para recolher? Quando, por essa altura, Tiago Guillul declarava “Há um sentido de desgosto, de não identificação com a maior parte das coisas que a geração à minha volta está a fazer. Quando ninguém nos ouvia, tínhamos a profunda consciência de que éramos pessoas que ninguém ouvia. É preciso que alguém se sinta, às vezes, enojado para conseguir fazer alguma coisa. Há pessoas que não gostam de nós e não gostam por boas razões: 'Estes gajos têm a mania que são espertos!' E, nesse sentido, temos, de facto, a mania que somos espertos em relação ao resto, aquilo embaraça-nos”, estava apenas a tirar partido dos megafones que lhe eram colocados à frente ou, durante os doze meses seguintes, justificou – por obras, além de palavras – aquilo que afirmava?
Dos manifestos da Amor Fúria (“Surge um exército de rapazes e raparigas de caras e almas pintadas, pronto a transformar as emoções colectivas num momento partilhável pelas multidões. Apresentam cantigas, planeiam o fim deste mundo e o início de um novo tempo onde as canções substituam as janelas fechadas dos automóveis, as conversas dentro dos edifícios, as filas de espera para os autocarros, os desesperos solitários”), emergiram, de facto, destacamentos poéticos armados, de carne e osso? Será que o que Samuel Úria escreveu acerca de B Fachada (“Alguém que se julga um povo não pode estar bom da cabeça. Eu não sei o que é que o B Fachada se julga, mas lá que se etnografa a si próprio, etnografa. Giacomette-se consigo mesmo, não pode estar bom da cabeça. Graças a Deus”) teve consequências práticas? O que o próprio Úria confessou sobre si mesmo (“já nasci depois do PREC, tarde demais para proto-punk, branco demais para ser do rap") eram só "soundbytes" rimados ou confirmou-se?
Nada como fazer o balanço: um belíssimo devaneio estival de João Coração (Muda Que Muda); vários EP, compilações e elucubrações artesanais a ensaiar sementeiras diversas; duas ou três estreias com índices de acerto no alvo variáveis (Pontos Negros, Smix Smox Smux, Os Golpes); uma colecção de polaróides de figurões urbano-rurais de B Fachada (Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado); um EP de “seis canções que rockam-popam-dançam em cima do tempo” (Meio Disco, de Os Quais); e uma longa pausa de Tiago Guillul que, ainda assim, não o impediu de, aqui e ali, ir opinando com imponderável sabedoria (exemplo: “Sempre os mesmos acordes. Sempre os mesmos xilofones sentimentais. Sempre as mesmas capas péssimas em subtis variações de auto complacência. Sempre os mesmos optimismos insufláveis ianques. Sempre as mesmas queixinhas de classe média. Sempre a mesma coisa. Bruce Springsteen não sabe fazer maus discos"). Chega, agora, o momento em que os piores receios de Guillul (“Irrita-me muito pensar ‘será que isto é o próximo passo, este grau de respeitabilidade crítica em que as pessoas andam todas a dar palmadinhas nas costas umas às outras?...’ O nosso rastilho é um certo prazer em fazer inimigos”) se irão concretizar: Nem Lhe Tocava, de Samuel Úria, e B Fachada (apesar de publicado pela Mbari e já não pela incubadora FlorCaveira), irão fazer muitos amigos e a respeitabilidade crítica está a bater-lhes à porta.
Por mui óptimas razões, aliás: se, nem um nem outro perderam aquela faceta de artesãos que preferem lidar com materiais recolhidos no quintal das traseiras ou em que tropeçaram, acidentalmente, numa investida pelo sótão, tudo atingiu já, um grau mínimo de perfeição de acabamentos que, sem tresandar a produto industrial, também não é, decididamente, apenas coisa de amador jeitoso. Fachada é o diletante que respiga na tradição e a evapora ("Responso Para Maridos Transviados"), quase incorpora o espírito do primeiro Kevin Ayers ("Tempo Para Cantar"), joga ao toca-e-foge com o ié-ié tal como Rui Reininho, em dia de folga, o pratica ("Estar à Espera Ou Procurar"), gainsbourgiza-se levianamente ("Setembro" e "A Bela Helena"), pisca o olho a Vitorino, Cesariny e (no grafismo da capa) aos Trovante e, de tudo isso, constrói uma personagem inteiramente singular de quem não esperamos senão que debite aforismos como “É bom ter má fama, dá para ter vazia a cama, e nesta solidão de Kant, é bom ter de fundo o que anda nas bocas do mundo” e mais uma mão cheia de outros de igual quilate.
Nem Lhe Tocava é um sinuoso, virtuoso e vertiginoso exercício de mimetismo em que, sobre uma camaleónica pele inconfundivelmente lusa, se projectam as sombras do tango, do blues, de Elvis Presley, Johnny Cash, caricaturas de Prince e daquele género de soul gingada nos arraiais de Verão, revisteirices de coreto, sobras da mesa do rock português de 80, e por tão repetidas e rápidas sobreimpressões, transpira nacos de língua em estado de graça nos quais, Úria se confessa (“Pôr sal nas minhas feridas e acordes nos meus brados, derramar mel nas saudades, verter choros sincopados”), se desenha (“Eu nunca fui do prog-rock, sou neo-retro-redneck, nasci num antro só de Enters, já nem sei carregar num Rec”) e, no ultra-waitsiano "Batuta e Batota", abre completa e magnificamente o jogo: “Ou em berço de ouro, ou em disco de prata, brotei já artista ou fiz-me pirata? Um Messias pop, freewheelin com dono, se me biografo ou revisiono”.
(2009)
27 December 2009
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5 comments:
Este micro hype em torno da Flôr Caveira é coisa para fazer corar de vergonha muita gente daqui a uns anos. Á excepção do próprio Tiago Guillul, que considero um bom músico e compositor, tudo o resto é lixo. Lixo. Algumas das piores letras em português de todo o sempre, músicas na grande maioria fraquíssimas, paree que voltamos à pré-história do rock português. Os criticos criam a "cena" e querem estar dentro dela... what a shame.
I beg to differ.
"Algumas das piores letras em português de todo o sempre"
Já ouviu/leu mesmo as do Samuel Úria (só para dar um exemplo)?
"músicas na grande maioria fraquíssimas"
Não é verdade. Há, de certeza, algumas fracas. Mas, do Dylan aos National, todos as têm.
"Os criticos criam a "cena" e querem estar dentro dela"
(pela parte que me toca - "os críticos" desconheço o que seja)... é mesmo o meu retrato chapado. Acertou na mouche. Parabéns.
Lembro-me do Úria me mostrar esta camisa e dizer que só há duas no mundo:
http://4.bp.blogspot.com/_C2KmuOyxuF8/Rk2RGJT8jPI/AAAAAAAAADc/BcaUHxzm5No/s1600-h/eanes.jpg
Lá estás tu a ir atrás do aipo, Manuel...
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