14 October 2009

UMA REDE MUITO NERVOSA



The Feelies - Crazy Rhythms




The Feelies - The Good Earth

Um ano em que são editados Closer, dos Joy Division, Crocodiles, dos Echo & The Bunnymen, Waiting For A Miracle, dos Comsat Angels, e Remain In Light, dos Talking Heads – para além de diversas outras jóias da coroa pop –, já teria tudo para poder ser considerado, sem nenhum favor, de colheita musical "vintage". Mas, se nos recordarmos que foi também em 1980 que os Young Marble Giants publicaram Colossal Youth e os Feelies ofereceram Crazy Rhythms ao mundo, então, há que começar a encarar seriamente essa data como momento particularmente singular na narrativa da música popular. Sobre os Giants já foram vertidos todos os louvores justos e necessários e a sua solitária gravação merecidamente reeditada. É, pois, agora, a altura oportuna (a pretexto da edição finalmente remasterizada de Crazy Rhythms e The Good Earth) para que múltiplas vénias se desenhem perante o absolutamente inclassificável álbum de estreia dos Feelies, peça literalmente única daquele raríssimo tipo de génio em estado quimicamente puro que só dificilmente se repete e muito infrequentemente faz escola. Baptizados a partir de uma das assombrações tecnológicas de Aldous Huxley, em Brave New World, Glenn Mercer, Bill Million, Anton Fier e Keith DeNunzio, prototípicos "nerds" de New Jersey, não dissimulavam a sua devoção pelos Velvets, Wire, Television, Modern Lovers e pelos primeiros álbuns de Brian Eno.


Porém, quando, na Primavera de 1979, entraram nos Vanguard Studios de Nova Iorque, foi como se tudo isso fosse instantaneamente calcinado por uma descarga eléctrica e desse agregado estético tivesse restado apenas uma rede (muito) nervosa exposta à flor da pele: geométrica, esquinada, tensa, ritmicamente dura e metronómica (Fier, como Mo Tucker, ignorava quase totalmente os címbalos), tão ingénua quanto ferreamente controlada, com as guitarras directamente ligadas à consola de mistura, a música dos Feelies era uma alucinatória vertigem de escalas em remoínho, confrontos de cordas em overdose de cafeína e percussão ansiosamente matemática e detalhada. Tipicamente, depois disso, a Stiff Records entendeu que eles deveriam transformar-se nos “novos R.E.M.”. Resistiram bravamente durante seis anos. The Good Earth acabou produzido por Peter Buck e era uma excelente confluência dos Velvets mais pastorais, dos Feelies e... dos R.E.M. Sem dúvida, ainda hoje, um belíssimo disco. Mas não voltou a existir outro Crazy Rhythms, nem nada que, muito remotamente, se lhe assemelhasse.

(2009)

4 comments:

Manuel said...

"a pretexto da edição finalmente remasterizada de Crazy Rhythms e The Good Earth"

Caro João Lisboa
Ando farto de ser assediado para comprar as mesmas coisas 2 vezes.Ou mais!Resmasterizada?!Vou ficar com os 2 vinis que tenho desde finais de 80.

Eu é que não sei fazer isso se não ia buscar ao tubo a actuação dos The Feelies no baile do Something Wild do J.Demme.Isto é, se a memória não me falha.

M.Carvalho

João Lisboa said...

"Eu é que não sei fazer isso"

http://keepvid.com/

Claro que os vinis chegam e sobram.

Anonymous said...

O que eu curti o Crazy Rhythms nos anos 80 em TDK gravada de outra TDK. Um luxo.
Se bem me recordo, os dois discos foram muito promovidos no Blitz pelo Luís Peixoto, o grande divulgador do então chamado renascimento do rock americano.
Nuno

João Lisboa said...

"os dois discos foram muito promovidos no Blitz pelo Luís Peixoto"

Ele está aqui:

http://atalhodesons.blogspot.com/