A BORBOLETA SPECTOR
God Help The Girl - God Help The Girl
Já conhecíamos as bandas sonoras para filmes realmente existentes e as outras para filmes imaginários. Agora, com God Help The Girl, inicia-se o género das que foram compostas e publicadas para filmes que, se tudo correr bem e o financiamento surgir, lá para o ano que vem, serão rodados. O responsável pelo projecto – e este é um dos casos em que a palavra “projecto” adquire todo o seu verdadeiro sentido – é Stuart Murdoch, cultivador das florinhas de estufa Belle & Sebastian, aqui, assumindo as responsabilidades de compositor, argumentista, director de casting e, eventualmente, realizador. A epifania aconteceu, há cinco anos, durante uma sessão de jogging, em Sheffield, quando uma canção inteira “que nunca seria para os Belle & Sebastian” (“God Help The Girl”, o tema-título) lhe fez uma pirueta no cerebelo. Através de um anúncio de jornal, procurou cantoras para a gravação de um álbum “outonal”, avisando, no entanto, que “as candidatas a Celine Dion” escusavam de se incomodar. Da shortlist final, resultou um trio (que, observando com atenção no YouTube os mini-documentários que, acerca de todo o processo, Marisa Privitera – aliás, Mrs Murdoch – realizou, se diria não ter sido seleccionado exclusivamente segundo critérios de talento vocal...) constituído por Celia Garcia, Alexandra Klobouk e, principalmente, Catherine Ireton, a protagonista e indiscutível "rising star" de God Help The Girl.
É este, então, o momento de proclamar que o que já se pressentia em Dear Catastrophe Waitress (2003) – depositado nas tonificantes mãos de Trevor Horn – floresce, desta vez, em todo o seu esplendor: da crisálida anémica dos Belle, emergiu uma borboleta-Murdoch capaz de libertar o Phil Spector que trazia, oprimido, dentro de si! E ele não apenas descobriu uma legião de Ronettes e Shirelles inteiramente à disposição (para além do trio Garcia/Klobouk/Ireton, várias outras foram recrutadas), como, de entre elas, transformou umas em Petula Clark e outras em Sandie Shaw, deu livre curso à sua veia de “songwriter” para uma Motown escocesa virtual (o velho sonho da Postcard – “The Sound Of Young Scotland” – de Alan Horne) e, a espaços, se entregou ao devaneio de se ver como um Burt Bacharach que, num cotovelo do espaço-tempo, tivesse participado da “nouvelle vague”, ao lado de Truffaut ou Godard. O que, no fundo, não tem sido senão o que os diversos discípulos da academia B&S (Camera Obscura, Concretes, Lucky Soul, os She & Him de Zooey Deschanel e Matt Ward) têm vindo a fazer.
Se o argumento do “musical” em potência é murdochianamente previsível – Eve, jovem melancólica e perturbada, tropeça na música popular e por ela se perde – a atitude "life could be musical comedy/prop-like street lighting awaiting your swing” não podia ser mais ajustada: do quase-ABBA, “Musician, Please Take Heed”, ao requinte "über cool" do convidado Neil Hannon, em “Perfection As A Hipster”, às sumptuosas volutas orquestrais ou à transfiguração soul de “Funny Little Frog” pela voz de Brittany “Dusty Springfield” Stallings, tudo é puríssima perfeição pop. Que, mesmo que não voasse tão alto, se justificaria apenas pela revelação de Catherine Ireton, showtune girl no primeiro capítulo de uma longa e fulgurante biografia.
(2009)
16 August 2009
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4 comments:
Tu gostas é das gajas!
O Oriente é vermelho.
Mas senhor, isto soa-me a Belle And Fucking Sebastian tout court. Então basta recrutar 3 jeitosas para deixar de ser ódio de estimação?
E o disco é bonzinho, sim senhor.
"Então basta recrutar 3 jeitosas para deixar de ser ódio de estimação?"
Seria sempre um bom primeiro passo. Mas não foi o único.
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