22 June 2009

RICH KIDS WANNA HAVE FUN - PARTE II


Cosme de Médicis por Jacopo Pontormo (1520)

"Tendo 'alguns pesos na consciência', conta-nos Vespasiano, 'tal como a maioria dos homens que governam estados e querem estar à frente dos restantes', Cosme [de Médicis] consultou o cliente do seu banco, o papa Eugénio, convenientemente presente em Florença (ou seja, mais ou menos sob protecção de Cosme), sobre como Deus poderia 'ter misericórdia dele e preservá-lo no gozo dos seus bens temporais'. (...) 'Gasta dez mil florins no restauro do Mosteiro de São Marcos', respondeu Eugénio. Era o tipo de capital necessário para fundar um banco. No entanto, o mosteiro, uma estrutura grande, irregular e delapidada, a dois minutos tanto do duomo como da casa de Cosme, albergava na altura um bando de monges de segunda categoria, da ordem silvestrina de quem se dizia viverem 'sem pobreza e sem castidade'. Imperdoável. 'Darei o dinheiro se os silvestrinos forem expulsos e substituídos pelos dominicanos', diz Cosme. Os severos dominicanos! Só as orações de homens cuja identidade assentava na pobreza e na pureza podiam ajudar um banqueiro que tinha um filho ilegítimo. (...)


A Coroação da Virgem, de Fra Angelico, 1443
(Cosme de Médicis é a figura ajoelhada à frente, à esquerda)


Por ocasião da consagração [do duomo], Cosme negociou publicamente com Eugénio, no sentido de aumentar a indulgência concedida pela Igreja a quem assistisse à cerimónia. O papa cedeu: dez anos a menos no purgatório, em vez de seis. Não custava nada a ninguém e trouxe grande popularidade, tanto ao pontífice como ao banqueiro. Na questão de São Marcos, o papa mostrou-se novamente flexível. Os silvestrinos foram despejados e os rígidos dominicanos, trazidos de Fiesole. O abade dos dominicanos, nessa altura, era Antonino, que viria a ser arcebispo. Tratava-se de um padre com algumas tendências fundamentalistas. 'Que pensaria o nosso São Domingos', escreveria ele, 'depois de concluída a dispendiosa renovação do mosteiro, se visse as casas e celas da nossa ordem ampliadas, abobadadas, elevadas até ao céu e frivolamente adornadas com esculturas e pinturas supérfluas?'


A Adoração dos Magos, de Benozzo Gozzoli, 1459
(Cosme de Médicis, em baixo, à esquerda,
vestido de preto, cavalga uma mula)


Mas esse fundamentalismo não passava de uma simples tendência, uma espécie de pretensa severidade, caso contrário Antonino dificilmente poderia ter trabalhado com o banqueiro durante tanto tempo como realmente trabalhou. Pois a história da relação de Cosme com Antonino, que supervisionou o luxuoso projecto de restauro de São Marcos e viria a ser chefe da igreja florentina durante a maior parte do período do poder de Cosme, é a história da difícil adaptação da Igreja ao convívio com mecenatos de origem dúbia. 'A verdadeira caridade deve ser anónima', insistira Giovanni Dominici, líder militante dos dominicanos. 'Cuidai', dissera Jesus, 'de não dardes as vossas esmolas diante dos homens, para que estes vos vejam; então não sereis compensados pelo vosso Pai que está no céu'. A mensagem é clara: nada de honras terrenas através da generosidade cristã. Mas Antonino e Cosme eram ambos suficientemente inteligentes para preservarem esses pontos cegos que permitem um certo intercâmbio útil entre a metafísica e o dinheiro, no ambíguo território da arte. Em troca do seu dinheiro, o banqueiro podia exibir a sua piedade e o seu poder. Bem como o seu superior gosto estético. A Igreja fingiria que toda aquela beleza se destinava exclusivamente à glória de Deus, com a mesma prontidão com que fingira que a construção da cúpula do duomo nada tinha a ver com a megalomania de Brunelleschi. Sem esse tipo de desonestidade, o mundo seria um lugar bem mais aborrecido". (Medici Money - Banking, Metaphysics and Art in Fifteenth Century Florence, Tim Parks, ed. portuguesa Presença)

(2009)

5 comments:

boizinho said...

quero este livro, já!

João Lisboa said...

Ebidéntemente...

Anonymous said...

Uma pequena correcção: o Cosme de Médicis do quadro do Bronzino não é o protagonista desta história. O Cosme em causa é o "Cosme o Velho", o banqueiro que conduziu os negócios da família na primeira metade do séc XV. O link está certo. O Cosme retratado reinou no Séc. XVI (foi Duque) e acho que era tetraneto do banqueiro "Cosme o Velho".

João Lisboa said...

"o Cosme de Médicis do quadro do Bronzino não é o protagonista desta história"

Thanx. Já tinha tido essa dúvida mas não consegui esclarecê-la. O devido Cosme/Cosimo será colocado.

Anonymous said...

Perfeito