17 May 2009

FEAR AND LOATHING IN LISBOA



Hoje - Amália Hoje

Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira, Camões, José Régio, Pedro Homem de Mello, Reinaldo Ferreira, Luís Macedo. Alguns dos maiores estetas da língua portuguesa escreveram para a voz de Amália Rodrigues. Para que, à beira do final da primeira década do século XXI, as suas canções fossem abandonadas às mãos de quem, em luxuosa e cara edição cartonada – cujos textos terão sido supostamente revistos –, é capaz de supliciar o Português redigindo barbaridades como "não haviam notas, não haviam letras". Poderia ser (sejamos generosos...) só gralha se não fosse sintoma: Nuno Gonçalves, (The Gift), Sónia Tavares (The Gift), Fernando Ribeiro (Moonspell) e Paulo Praça, fria e calculadamente, aplicam-se na missão de transformar nove canções de Amália (mais, inexplicavelmente, "L’Important C’est La Rose") em matéria kitsch de Festival da Eurovisão. Esses são, ainda, os melhores exemplos. As outras, algures entre banda sonora de bar de alterne e a "playlist" da Ovibeja, chafurdam (vozes, arranjos e orquestrações) na abominação. Não é uma questão de purismo – o reportório de Amália é tão susceptível de ser relido e reinventado como qualquer outro – mas de pura e visceral repugnância. Onde estão as providências cautelares quando mais falta fazem?

(2009)

7 comments:

hg said...

Na minha opinião, e com todo o respeito que o 'professor' João Lisboa me merece, achei esta crítica um exagero. E tenho alguma dificuldade em perceber de onde vem tanta abominação e repugnânica, pois na música propriamente dita, não me parece que exista lá matéria para tanto.
Com os melhores cumprimentos e todo o respeito, de um seu ex-aluno que continuará, ainda assim, atento a uma das mais vivas e inteligentes escritas que se vão fazendo por este país, mas que não conseguiu deixar de fazer este reparo.

João Lisboa said...

Agora, fiquei curioso de saber quem é o meu ex-aluno "hg"... mas só posso dizer que, desde o último álbum dos Madredeus + Banda Cósmica, não me tinha sido tão literalmente penoso escutar um disco até ao fim.

E foi exactamente "a música propriamente dita" (de que outra forma poderia ser?) que me provocou essa sensação: nem instrumental nem vocalmente, existe ali um átomo de entendimento do que são os fados/canções e as interpretações da Amália nem de como transformá-las sem as estropiar como, de facto, aconteceu.

Anonymous said...

É um disco ordinário.
Não consigo olhar para ele, quanto mais ouvi-lo.

Unknown said...

só agora vi este post mas fiquei aliviado. Pensei que era só eu que achava esta treta uma aberração.

Ana said...

João, dou aulas ao 10.º ano e, segundo o programa, eles têm de conhecer textos dos media e textos que podemos classificar como "crítica". Bom, eu, que sigo muito pouco o manual, tenho tentado arranjar textos recentes. E escolhi este teu texto (aquela do "haviam" até me permitiu introduzir a questão da sintaxe do verbo "haver"). Os miúdos adoraram. Quando lemos em aula, fartaram-se de rir com a parte da "playlist do ovibeja". São miúdos adoráveis (sorte a minha) Ah, e sobre o bar da alterne, alguns sabiam mais do que eu:)

João Lisboa said...

Ki este último comentário... quase 5 anos depois. Mas li. :-)

Ainda bem!

João Lisboa said...

"Li".