14 May 2009

DA CAIXA DE COMENTÁRIOS DO POST ANTERIOR
PARA O MUNDO CÁ FORA
(ou o platonismo em tempo de saldos)



"Caro João
Não. Por aqui não vamos a lado nenhum. É verdade que a imagem não ajuda, é verdade que o texto consegue ser pior mas, o que aconteceu em Fátima é outra coisa. Vive-se sempre um segredo com algum desassossego e este desassossego de Fátima não foi muito diferente do que todos podemos viver um dia. Sai-se do singular para o plural, do que é individual para o extremo exercício de o dividir para outros. Tudo muda porque o som que entrou no ouvido tem agora outro caminho, de dentro para fora e aqui, de fora para dentro de outros. Em Fátima concentram-se aqueles que querem viver coisas simples, que repetem pedidos como quando somos crianças e pedimos incessantemente alguma coisa à mãe. Em Fátima há pessoas a contar histórias simples a Deus, a Maria, e a ouvir de Deus uma história também ela simples. Prova de Contacto merecia um post melhor.

ps: there's God, now stop worrying and enjoy your life" (António Madureira Rodrigues).



Resposta:

"o que aconteceu em Fátima é outra coisa"

Mesmo que, por um segundo de perigosa desatenção, eu estivesse disposto a atribuir uma molécula de respeitabilidade às igrejas/religiões, todos os anos, em Maio (e nos "Maios" anteriores e posteriores), recuperaria rapidamente o juízo. E nunca seria esse habitual discurso de neo-realismo beato ("em Fátima concentram-se aqueles que querem viver coisas simples, que repetem pedidos como quando somos crianças e pedimos incessantemente alguma coisa à mãe. Em Fátima há pessoas a contar histórias simples a Deus, a Maria, e a ouvir de Deus uma história também ela simples") que me faria ignorar a repugnante exploração da "simple mindedness" pela Vaticano SA e seu franchise local.

Tenho de reconhecer, no entanto, que, embora abjecta, essa espécie de Rock In Rio da crendice popular se esgota em si mesma e, no resto do tempo, o bom povo come, bebe, fode (mulher com homem, mulher com mulher e homem com homem, sem preservativo ou com preservativo se for necessário, antes, durante, depois, fora ou ao lado do casamento), aborta e vive como bem lhe apetece, magnificamente alheio ao que os funcionários do CEO Benedikt lhe recomendam e compreensivelmente surdo a esses exercícios de acústica metafísica ("Tudo muda porque o som que entrou no ouvido tem agora outro caminho, de dentro para fora e aqui, de fora para dentro de outros"). Se houve coisa que correu realmente bem, desde o 25 de Abril para cá - provavelmente, a única -, foi o indiscutível definhamento da Vaticano SA naquilo que, verdadeiramente, importa: a influência sobre a realidade concreta da vida. O resto - mesmo que triste, indigente e odioso - é apenas folclore.

"Prova de Contacto merecia um post melhor"

Aqui, é capaz de ter razão. Se calhar, não devia ter-me limitado a reproduzir a amável cartinha que me depositaram na caixa do correio. Devia tê-la comentado. Fi-lo agora.

"there's God, now stop worrying and enjoy your life"

I've always enjoyed my life without the slightest need of any creepy Big Brother.

edit 1: e, porém, que há milagres lindos, há...

edit 2: na passagem da caixa de comentários para este post, o texto da resposta foi acrescentado de um ou dois pormenores (o original continua na caixa de comentários).

(2009)

10 comments:

Táxi Pluvioso said...

Fátima está abastardada pelo comercialismo. Substituiram os paralelepípedos e alcatrão, onde o povo joelhado pagava promessas, por aquela via láctea to nowhere e almofadas prós joelhos, uma vergonha. Não admira que as preces não sejam ouvidas.

João Lisboa said...

Ah, mas ainda há muita estrada não asfaltada com os fundos da UE para proporcionar belas imagens gore...

António Madureira Rodrigues, sj said...

Caro João

Quando entro num sítio que é público posso não querer ir para a sala maior que o espaço oferece e ficar numa mais discreta, uma sala que tenha mais a ver comigo. Se o blogue tem esta caixa para escrever comentários e os mesmos ficarem aqui por alguma razão há-de ser. Mas, tudo bem, entrei na sala com uma camisa e o meu amigo rasgou-a por qualquer razão. Parece-me, e olhe que não o quero enervar, que a sua resposta tem alguma irritação. Da mesma forma que respeito o facto do João não acreditar em Deus e achar que todos os que acreditam não estarão no seu perfeito juízo, também o João deverá aceitar este que pensa assim. Há expressões infelizes na sua resposta; não, eu não tenho habitualmente um discurso neo-realista beato (quê?). Tentei entrar em contacto com alguém sobre uma realidade e, de uma forma também simples (nada imposta pelo Vaticano, dei-me dizer-lhe), falar de um encontro de pessoas que não são todas como as que aparecem nas fotografias que nos mostra. Se o blogue é sério (parece-me que sim) tem de ter mais atenção do que está a falar, de como fala. O meu amigo corre o risco, e peço desculpa por ser tão directo, de dizer só merda. Não tenho estado em contacto, nem prova dele de resto, com funcionários da CEO Benedikt porque sou jesuíta. São duas coisas diferentes; o claustro deles está no centro do mosteiro e o nosso é no meio do mundo, uns são contemplativos outros mais activos de uma forma diferente. Percebe a diferença? Também não tenho tido exercícios de acústica metafísica. Os exercícios com "ondas e vibrações elásticas" dos últimos tempos têm acontecido em meios eléctricos. De novo, quando escrevo aqui escrevo com gosto e não para que haja este tipo de respostas (a sua e a minha, já não sei qual de nós está mais irritado). A sua resposta é pobre, parece precipitada e de alguém que, se pensa, pensa mal ou muito rápido. Quando falamos em juízo, falamos de racionalidade. Na casa da razão, encontramos o que é racional, irracional (acções acráticas, como por exemplo eu fumo, sei que faz mal e continuo a fumar), o que é a-racional (quando simplesmente não penso na racionalidade) e o que é extr-racional. Ora aqui é que está o nosso problema (o seu). Deus e todos os acontecimentos que se dão à sua volta estão neste campo. São coisa que nos escapam, que não controlamos e que não temos de controlar.
Bem, não o chateio mais. Fique bem.

João Lisboa said...

1) OK, fiquemos por aqui, à sombra. No fundo, no fundo, acaba por ser tão público como se estivéssemos "lá fora".

2) "Da mesma forma que respeito o facto do João não acreditar em Deus e achar que todos os que acreditam não estarão no seu perfeito juízo, também o João deverá aceitar este que pensa assim"

Respeito "quem pensa assim". Como lhe disse, estou convencido que foi esse mesmo "respeito por quem pensa assim", atribuindo à "coisa religiosa" católica o seu devido lugar, que contribuiu magnificamente para o estado de quase absoluta irrelevância que ela, actualmente, exibe. Mas não tenho o menor respeito por igrejas/instituições nem pela(s) ideologia(s) que elas defendem. E, tal como aceito que me queira chamar "agnóstico intolerante", não abdicarei de qualificar de "neo-realismo beato" tudo o que se me apresentar como tal.

3) "O meu amigo corre o risco, e peço desculpa por ser tão directo, de dizer só merda"

Está desculpadíssimo. O sentimento é mútuo.

4)"sou jesuíta"

Como imagina, para o caso, é-me indiferente que seja jesuíta, dominicano, franciscano ou carmelita descalço.

5) "Ora aqui é que está o nosso problema (o seu). Deus e todos os acontecimentos que se dão à sua volta estão neste campo. São coisa que nos escapam, que não controlamos e que não temos de controlar"

Lamento imenso desiludi-lo mas... como dizer?... nunca reparei que tivesse "um problema". "Deus e todos os acontecimentos que se dão à sua volta" nunca entraram, pura e simplesmente, em qualquer (minha) equação. Como dizia o outro, "nunca houve necessidade". Pelo que, nunca "me escaparam" nem nunca senti qualquer vontade "de os controlar". Já "a razão" tem dado um jeitaço que não imagina.

Um santo fim-de-semana

António said...

Ó João, acho que não pode ser indiferente, eu por acaso estou a falar com a Joana? Não, pois não. Se está a falar com um jesuíta não está a falar com um dominicano ou carmelita descalço. Não seja assim, indiferente, falar com qualquer um, mesmo que lhe pareça não ser importante num determinado contexto.
Quando falei em problema não falei num problema da sua vida. Falei de um problema na observação e reflexão de Deus no post. Parece que o João vê pequenos insultos em todas as linhas rectas e olha que as linhas que os dois estamos a escrever não têm sido muito direitas. Não há insultos, não pode haver desrespeito pela posição de cada um. Eu não me desiludo e acho que o João também não e isso é bom.
Quanto ao 3), sim, está bem, podia ter dito doutra maneira mas olhe, saiu o que saiu e a merda ficou mais do meu lado.

Um laico fim-de-semana

João Lisboa said...

"eu por acaso estou a falar com a Joana? Não, pois não. Se está a falar com um jesuíta não está a falar com um dominicano ou carmelita descalço"

Mas se já lhe disse que me é totalmente indiferente saber com qual departamento ou sector da empresa-mãe estou a falar!... e, se preferir, pode tratar-me por Joana à vontade. Será o meu momento bissexual do fim-de-semana.

"Parece que o João vê pequenos insultos em todas as linhas rectas"

Dificilmente poderia estar mais errado. Aliás, sentir-me insultado, ofendido ou irritado é coisa de que já nem me recordo a última vez que aconteceu. Veja só: nem nunca sequer compreendi aquele provérbio "quem não se sente não é filho de boa gente"!

"Um laico fim-de-semana"

Agora teve piada...

António said...

O João é o João Lisboa que escreve hoje sobre Actor na Actual do Expresso? (desculpe usar isto para isto). Andei pelos links aqui à direita, sobretudo os de música... não deveremos ralhar muito um com o outros nos gostos.

João Lisboa said...

"O João é o João Lisboa que escreve hoje sobre Actor na Actual do Expresso?"

Esse mesmo.

"não deveremos ralhar muito um com o outros nos gostos"

Ora... assim não tem graça.

Bom domingo (santo ou laico).

António said...

http://lugarcarregadodecactos.blogspot.com/

João Lisboa said...

"http://lugarcarregadodecactos.blogspot.com/"

Muito bonito. Até vou linká-lo e tudo.