01 February 2009

A PROCURA DA FELICIDADE



Bruce Springsteen - Working On A Dream

Conforme narra uma lenda da tradição popular contemporânea, Barack Obama, rapaz de preferências musicais "mainstream", porém, assaz decentes – à “Rolling Stone” confessou admirar, acima de todos, o Stevie Wonder "vintage" de Talking Book, Fulfillingness’ First Finale, Innervisions e Songs in the Key of Life, mas admitiu abrigar também no seu iPod, Howlin’ Wolf, Yo-Yo Ma, Coltrane, Miles Davis, Charlie Parker, Jay-Z, Sheryl Crow (consideremos que se tratou de um lapso na transcrição de Jann S. Wenner que lhe recolheu as declarações…) e “cerca de trinta canções de Bob Dylan” –, terá afirmado durante a sua campanha que apenas decidiu candidatar-se à presidência dos EUA quando, finalmente, concluiu que nunca poderia ser Bruce Springsteen. A lenda não refere se Springsteen, nos últimos meses, sonhou ser Obama mas não só o apoiou explicitamente como, quando lhe foi sugerido que, na cerimónia de tomada de posse, ao lado de Pete Seeger, cantasse “This Land Is Your Land”, de Woody Guthrie, certamente, deverá ter respondido “Yes, we can!”.



A verdade é que toda esta mudança de “clima” se pressente (e muito) na transição dos anteriores Devils & Dust (2005) e Magic (2007) – amargos painéis hiperrealistas de uma América devastada – para o actual (a começar pelo próprio título) Working On A Dream: o estado de espírito que anima todo o álbum é, notoriamente, de alívio e, por vezes, ficamos mesmo com a sensação de que Bruce Springsteen somente não deixa escapar um “all you need is love” porque… é Bruce Springsteen e não um rastejante "freak-folker" qualquer. Sim, a atmosfera é de euforia e celebração, mas já não a dos fugitivos dos "lost highways" à beira de mil abismos de Born To Run ou Darkness On The Edge Of Town: as personagens de Working On A Dream perdem-se de amores por meninas da caixa de supermercado (“As I lift my groceries into my cart, I turn back for a moment and catch a smile that blows this whole fucking place apart”), unem-se em torno de festas de aniversário domésticas e medem a passagem do tempo pela deslocação da luz no rosto da amada (“I don’t see the summer as it wanes, just the subtle change of light upon your face”).



E, em tempo de hipotética refundação da Terra Prometida e de renovada procura matricial da felicidade, a invocação dos mitos da antiguidade clássica é inevitável: "Life Itself" e "Surprise, Surprise" saíram, completas e perfeitas, do cancioneiro dos Byrds, "Tomorrow Never Knows" é vénia grata a Bob Dylan, "This Life" chama por Brian Wilson, "Good Eye" rasgou caminho pela ferrugem das cordas da guitarra de Robert Johnson, "Outlaw Pete" abre cinematograficamente o plano sobre a América tal como Leone e Morricone a reescreveram para o resto do mundo (com "sample" da harmónica de Once Upon a Time in The West incluído) e "You’re My Lucky Day" é a exuberância incontida e redescoberta de um autor, Bruce Sprinsteen, que há mais de vinte anos não encontrávamos em momento de tão exaltada emoção. De certo (e duplo) modo, uma "period piece".

(2009)

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