11 January 2009

O ÂNGULO PRECISO



Animal Collective - Merriweather Post Pavilion

As palavras fatais foram já proferidas: algures por entre as primeiras referências críticas a Merriweather Post Pavilion – maioritariamente elogiosas, diga-se –, insidiosamente, introduziram-se comentários como “as canções possuem refrões definidos, harmonias e melodias simples”, apreciações que apontam para a emergência de “estruturas básicas que tornam até alguns dos temas extraordinariamente ‘catchy’” e alusões à “caminhada dos Animal Collective na direcção do ‘mainstream’”. Tenha sido esse ou não o objectivo declarado da Avey Tare, Panda Bear e Geologist (os AC, agora, em versão trio), a verdade é que isso só poderá ter como consequência alguma deslocação das mini-placas tectónicas que têm constituído o seu público de melómanos “indie”: não se passa assim, impunemente, de banda ingenuamente “experimental” e primitivista para uma nova personalidade de coisinha “cute” e fofa de que qualquer ouvido leigo é capaz de gostar. Mas também não terá sido certamente por acaso que, para as tarefas de produção, haja sido escolhido Ben Allen – ele com currículo estabelecido em colaborações com Gnarls Barkley, P. Diddy e Christina Aguilera (sim, sim) – que, durante cinco semanas, em Oxford, no Mississipi, se encerrou com o triângulo-Animal nos estúdios Sweet Tea. Muito apropriadamente, aliás: no léxico privado do grupo, “sweet” funciona como substituto compulsivo de “good”, “cool”, “great” ou “nice”. E tudo isso somado, arquivado e digerido conduz-nos directamente à essência de Merriweather Post Pavilion, diga-se já, um belíssimo espécime de coisa sonora neo-hippie, no que o género ainda poderá produzir de esteticamente viável.


"Brothersport"

Como chegaram aqui, então, os Animal Collective? O conceito-chave é “definição”. Todos os traços de identidade da banda (harmonias vocais wilsonianas, profusão de timbres, ocorrência simultânea de mil-e-um detalhes electro-acústicos) que se começavam a sistematizar no anterior Strawberry Jam encontram neste álbum o lugar exacto, o relevo necessário, a nitidez exigível para que, da condição de maqueta, se possam elevar à de obra acabada. E o que é mais importante, sem quaisquer perdas, descobrindo apenas para si próprios o ângulo preciso sob o qual a sua peculiar personalidade de entidade musical no cruzamento dos primeiros Pink Floyd com os Beach Boys e uma euforia de festim tribal mais claramente emerge. Quando, a propósito do cinema de Jacques Tati, André Bazin escreveu “disse-se por vezes erradamente que a banda sonora em Tati era constituída por uma espécie de magma sonoro. Com efeito, raros são os elementos sonoros indistintos. Toda a astúcia sonora de Tati consiste em destruir a nitidez através da nitidez", poderia perfeitamente estar a pensar no processo que desembocou em Merriweather Post Pavilion.

(2009)

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