A VOZ CERTA
Marianne Faithfull - Easy Come, Easy Go
Segundo rezam as lendas da grande narrativa pop, foi em 1969 que, ao acordar de um coma induzido por “overdose”, Marianne Faithfull teve o seu momento-Mia Wallace/Pulp Fiction: mal abriu os olhos, as suas primeiras palavras foram “Wild horses couldn’t drag me away”. Tê-las-à pronunciado, decerto, num inglês shakespeareanamente impecável, Mick Jagger tomou nota, tratou de escrever a canção homónima e aquelas “famous (but not) last words” entraram directamente para a História. O que importa aqui, no entanto, é não terem sido, de facto, “last” e não ser muito difícil adivinhar que, nas inúmeras vezes em que, durante quase duas décadas, episódios desses se terão repetido, a reacção terá sido bastante semelhante. Marianne nem desiste de caminhar à beira do precipício nem autoriza que ele a devore. Retirando até benefícios disso: se a sua cristalina voz de soprano se transformou num dramático contralto curtido pelo álcool, a nicotina e a cocaína – não ignorando que, caso desejemos encarar as coisas de um ponto de vista mais pragmático, não sejam de desprezar privilégios como aquele de que gozou aquando do concerto na St Anne’s Cathedral, de Brooklyn, em 1989, de que resultaria o álbum Blazing Away: no programa, alertava-se o público de que “a ninguém será permitido fumar na sala, à excepção de Marianne Faithfull” –, segundo ela tratou-se, na realidade, de uma bênção: “Tenho a voz certa para mim, não preciso de representar, não tenho de fazer nada; basta-me abrir a boca e aí está ela”.
Claro que não é verdade. Marianne Faithfull, de Broken English (1979) a Strange Weather (1987), Vagabond Ways (1999) ou Kissin’ Time (2002), não tem feito outra coisa senão apropriar-se interpretativamente das canções de autores diversos, não se limitando para tal, de modo nenhum, a abrir a boca e cantar. De novo produzida por Hal Willner, Easy Come, Easy Go instala-se, de imediato, no seu cânone de ouro: acompanhada, pontualmente, por Nick Cave, Cat Power, Teddy Thompson, Keith Richards, Rufus Wainwright, Sean Lennon, Jarvis Cocker, Antony (a única autêntica nódoa, em “Ooh Baby Baby”, de Smokey Robinson) e Kate e Anna MacGarrigle, o reportório viaja, surpreendentemente, de Dolly Parton a Judee Sill, de Brian Eno aos Decemberists, de Duke Ellington a Neko Case, de Morrissey a Randy Newman, Bessie Smith, Merle Haggard ou aos Espers, num assombroso exercício de versatilidade e selecção de “songwriters” tudo menos óbvia que, nunca transformando o álbum num “patchwork” estilisticamente descosido, dá bem a medida do gigantesco e magnificamente amadurecido talento de Marianne Faithfull.
(2008)
23 November 2008
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7 comments:
«Antony (a única autêntica nódoa, em “Ooh Baby Baby”, de Smokey Robinson)»
Já começa a ser mania grandes autores convidarem este gajo para, com a sua participação, diminuir um pouco obras imaculadas. O único que se safou foi o Lou Reed (que, por acaso, teve a lucidez própria de um génio de o escolher para a canção certa).
Antony, a praga.
Onde raio terei o LP da Nico a cantar "Take a walk on the wild side? Onde???
Ponto G. Problema Vosso.
Pior só o herói de Santa Maria da Feira...
"Ponto G. Problema Vosso"
Hã?...
Tardia resposta. Acordei funcionário público. BPN. Daí a demora. Rui G. Formato cordato e simplista de trocar o Rui por um ponto. Kenny G. Ponto de Gräfenberg. Gosto, para mal dos meus pecados, de quem V. Exas. não gostam. E por isso. Sinto-me perdido à procura ... do acorde perdido. Saló.
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