10 November 2008

PIMBA CHIQUE



Madredeus & A Banda Cósmica - Metafonia

Quando Pedro Ayres de Magalhães inventou os Madredeus, os ingredientes conceptuais incluíam uma certa visão diluída de meia dúzia de estereótipos da “portugalidade” que costumam figurar nos folhetos turísticos (a melancolia indígena, a inevitável “saudade”, as sofridas mulheres de negro, o tremendo e épico mar e uma pitada de “folclorismo” urbano/rural sobre o pano de fundo de um “ersatz” do fado), concentravam-se num formato de ensemble acústico e, essencialmente, na voz de Teresa Salgueiro. Dando de barato que, de tal esquematismo concebido a régua e esquadro, dificilmente poderia resultar algo musicalmente muito interessante, é forçoso reconhecer que o que essa fórmula tinha para dar se esgotou nos dois primeiros álbuns, Os Dias da Madredeus (1987) e Existir (1990): cançonetas ligeiras e ingenuamente melodiosas, uma visão de Portugal retirada dos antigos livros da instrução primária e uma banda sonora que não incomodava nem os jantares pequeno-burgueses nem as recepções das embaixadas. O potencial “de mercado” era evidente, tanto entre fronteiras como, bem mais importante, “lá fora”. E o potencial concretizou-se e ampliou-se, mesmo que as publicações seguintes fossem já só uma penosa repetição da receita, esticada até às margens da “new age” menos potável. Com o abandono final de Teresa Salgueiro (restando, da formação original, apenas Pedro Ayres), a opção por uma dupla de cantoras e a inclusão de bateria, guitarra eléctrica, harpa e violino, o “produto Madredeus” afocinhou em plena indigência pimba-chique: a música é massacrantemente rudimentar (o que a longa duração da maioria das faixas ainda evidencia mais), os textos, confrangedores, dir-se-iam escritos por pré-adolescentes fraquinhos a Português (só dois exemplos: “Pedi uma muamba e já vou na segunda, se voltar a Luanda também tomo mais uma” e “Vozes em comoção, terra que não se faz, vozes que não se dão, não atingem a paz, tratam-se mal e sem razão, tornam mortal a situação”) e a Mariana Abrunheiro – uma belíssima intérprete que não merecia que lhe fizessem isto – e Rita Damásio pede-se apenas que mimetizem Teresa Salgueiro. O nadir absoluto.

(2008)

6 comments:

Anonymous said...

Eu sei que não tem nada a ver com Deus nem con su Madre, pero...

Max Richter, que me dizes?

João Lisboa said...

Connais pas.

Do que o Google me explicou, comecei por ficar interessado pelo
"contemporary classical ensemble Piano Circus" mas, depois ao descobrir que ele também produziu a Vashti Bunyan, torci o nariz.

Claro que um homem tem de pagar a renda e pôr o pãozinho na mesa...

Anonymous said...

Mas... mas... a mesma que teve um disco produzido pelo JOE BOYD?

Não sejas assim.

Já agora, o "White Bicycles" passou-lhe pelas beiças?

/quote brian eno: "This is the best book about music I've read in years, and a gripping piece of social history."

João Lisboa said...

"Mas... mas... a mesma que teve um disco produzido pelo JOE BOYD?

Não sejas assim"

Sou. Não tem cura.

Anonymous said...

Ora, era só uma pequena alfinetada para perguntar se tinhas lido o livro...

Este pessoal do jet-set.

João Lisboa said...

Não, não li o livro. É um dos que está na lista de espera. Que é grandota.

"Este pessoal do jet-set"

:)

... mas, no mínimo, jet-oito...