BEM-VINDOS AO RENASCIMENTO!
Tiago Guillul - IV
João Coração - Nº 1 Sessão de Cezimbra
Os Pontos Negros - Magnífico Material Inútil
O pop/rock português não teve, praticamente, Pré-História. Escutaram-se apenas uns vagidos inaugurais (que, volta e meia, são reeditados “por causa da nostalgia”) em versão mimética e pobrezinha do que, de Elvis aos Beatles, Shadows e horrores “prog” avulsos, se fazia no grande mundo e, por esse motivo, queimando etapas, no final dos anos 70/início de 80, saltámos directamente do Homo habilis para a Idade Clássica. Entrámos, naturalmente, pela porta do punk/new wave mas, rapidamente, recuperámos os milénios perdidos através de bandas, editoras “independentes” e lugares capazes de – à dimensão local – constituir uma vigorosa “cena” esteticamente autónoma das referências iniciais, com rosto próprio e espaço suficiente para “mainstream” e aventuras marginais. Entre os Pop Dell’Arte e os GNR, a Ama Romanta e as “majors” que surfaram a onda, os Mler Ife Dada e os Xutos & Pontapés, a Sétima Legião, o Rock Rendez Vous e os Heróis do Mar, o Quinto Império de Vieira parecia chegar, de guitarra eléctrica em punho e carregado de saudades do futuro. Porém, como o dos Césares, também este acabaria por ajoelhar às mãos dos bárbaros, adoptar o idioma e os costumes do invasor e mergulhar numa prolongada Idade das Trevas que a emergência de um ou outro herético não bastaria para pôr termo. A imaginação da espécie, como se sabe, é limitada e a História (para o pior e para o melhor) repete-se. Aproveitemos, então, estes dias: parece ter, finalmente, soado a hora do Renascimento e da recuperação dos valores clássicos!
Tiago Guillul - "Beijas Como Uma Freira"
A Florença do pop/rock luso situa-se algures entre Queluz e S. Domingos de Benfica – com derivações para outras coordenadas – e os seus mecenas e artistas (que, por vezes, coincidem) são gente animada daquele espírito que conduz a redigir manifestos e proclamações (“Surge um exército de rapazes e raparigas de caras e almas pintadas, pronto a transformar as emoções colectivas num momento partilhável pelas multidões. Apresentam cantigas, planeiam o fim deste mundo e o início de um novo tempo onde as canções substituam as janelas fechadas dos automóveis, as conversas dentro dos edifícios, as filas de espera para os autocarros, os desesperos solitários”). O quartel-general/laboratório aloja-se nas editoras FlorCaveira e Amor Fúria e, se lhe quisermos identificar um porta-voz, escolhamos Tiago Guillul que, a si mesmo (em página do MySpace), se define como cidadão “casado, monogâmico, pai de três filhinhos, pregador baptista, escreve em cantos obscuros da imprensa”, adopta como lema “religião e panque-roque” e refere como influências “o Evangelho do Senhor Jesus e o Roque-Enrole”. Atenção: aqui não existe uma gota de comédia! Há, certamente, ironia e sarcasmo de sobra mas todas as declarações devem ser levadas a sério. A quarta publicação de Guillul (antecedida de Fados Para o Apocalipse Contra a Babilónia, 2002, Mais Dez Fados Religiosos de Tiago Guillul, 2003,e Tiago Guillul Quer Ser o Leproso Que Agradece, 2004, todos publicados pela FlorCaveira) é o género de OVNI estético que sobrepõe sem problemas apostolado tão convicto quanto verrinoso (“Igrejas Cheias ao Domingo”, “Pior Que Gente Devassa É Um Clero Com Preguiça”) ácido sulfúrico “à la Dylan” (“murmuras modelo em Madonna mas tu beijas como uma freira”), imprecações literalmente incendiárias (“se o país tivesse de arder seria pela minha mão, Portugal tornar-se-ia a lareira da Europa”) e infantilidades surrealmente dementes, em gloriosa encenação sonora que faz ricochete do “panque” para o arraial “cool”, da tasca para o altar.
João Coração - "Dobra"
Pelo meio de um arquipélago densamente povoado de outros nomes – Ninivitas, Manuel Fúria, Os Lacraus, Almirante Ramos, Samuel Úria –, em Nº1 Sessão de Cezimbra, João Coração entrega-se a um estilo de canção acústica com iluminuras “bruitistas”, nascida da improvável intersecção de um Chet Baker sonâmbulo com um Fausto perdidamente romântico, embora ele prefira falar de outros (Arvo Part, Bob Dylan, Camané, Tom Waits, Will Oldham, Erik Satie, Fiona Apple, Cohen, Caetano, Nick Drake, Variações) e de cinema (Godard, Truffaut, Vincent Gallo, Tarkovski, Cassavettes, Murnau). Muitas vezes mais balbuciada e suspirada do que propriamente cantada, é uma pequena música de crepúsculos cujo melhor exemplo, a mui waitsiana “Fado do Bolo Alimentar”se encontra na sua página do MySpace.
Por fim, do lado do neo-punk “teen”, Magnífico Material Inútil, dos Pontos Negros, não será ainda exactamente a “ponte para esse longínquo oásis da cantiga certeira do roque português” que o produtor Guillul anuncia mas, nesta variante de Strokes com infusão bíblica e “crítica social” ingénua gerada na cripta de uma igreja baptista, há francamente mais energia e futuro do que em mil e um produtos formatados com que a indústria se entretém.
(2008)
27 October 2008
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15 comments:
e os UHF?
Não, obrigado.
Eu percebo, mas exitem reminiscências da juventude às quais é difícil de fugir :)
O anonymous anterior foi involuntário.
Eu já fugia a essas "reminiscências" na altura...
Que porra, na infância, assim é que é, na infância. Na juventude era mais Loyd Cole, REM e The Smiths, uma santa trindade para mim na altura.
Eu, na infância, ouvia o "Joana come a papa" do José Barata Mora (eh eh). UHFs, Táxis, Rui Velosos, Jafumegas e quejandos eram tratados a pontapé... E já não falo numas coisas absurdas que passaram por este país a tentar imitar o rock progressivo (que na versão original já não era, em regra, coisa apresentável). Comprei o cd do Tiago Guillul e gostei imenso. Quem é que consegue resistir ao "murmuras modelo em Madonna, mas tu beijas como uma freira"? Já estava cansado de macaquinhos de imitação.
Moura...
Dylan, Waits... Fausto?... Elogioso p'ra xuxu! Tu e a alface ainda me põem a ouvir isso e depois, depois têm-me à perna.
"(..)cujo melhor exemplo, a mui waitsiana “Fado do Bolo Alimentar”(...)" - música que nem sequer é do joão coração, mas do Cão da Morte, miúdo com 16 anos que anda aí pelos myspaces.
E três estrelas para a fraqueza de um exercício destes, é benevolência a mais. Não concorda João? (Não é habitual vê-lo promover mediocridade com esta facilidade) - já em relação aos outros esteve bem.
"música que nem sequer é do joão coração, mas do Cão da Morte, miúdo com 16 anos que anda aí pelos myspaces"
É verdade, é do cachorro.
"E três estrelas para a fraqueza de um exercício destes, é benevolência a mais. Não concorda João? (Não é habitual vê-lo promover mediocridade com esta facilidade)"
Claro que não concordo. Se concordasse, não teria escrito o que escrevi.
Ora bem.
?
Faz sentido a sua resposta. Só isso. Daí o "ora bem".
Há coisas que não entendo...
De repente aparecem, em força, projectos musicais associados a uma editora e estranhamente espaços que deviam fazer crítica musical não a fazem. Limitam-se a reproduzir os press releases, a contextualizações históricas,etc. Fica a questão, do que estamos a falar? De música, de canções que têm letras? Onde está a análise crítica dos supostos poemas. Devo dizer que Tiago Guillul musicalmente é pobre às letras escapa-lhe a ironia. João Coração é muito fraquinho, os textos são muito maus, o disco tem colaborações interessantes, mas a responsabilidade em termos de composição é do João Coração? duvido... O Nuno Reis fica bem no trompete, a celina Piedade é sempre muito boa. Estamos a falar de um grupo que colabora todo em conjunto. Do grupo diria que Feromona leva o meu prémio, as letras são muito boas... Pedro Barros
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