10 April 2008

AS (OUTRAS) FIGURAS DO TROPICALISMO


Tropicália - Iuri Sarmento (1998)

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé ou Os Mutantes são as personagens cujos nomes, sempre que o Tropicalismo é puxado para a conversa, estão na ponta da língua. Mas, mais ou menos perifericamente ou antecedendo mesmo a eclosão do movimento, diversos outros contribuíram para a imensa riqueza e diversidade estética daquele momento singular na história da cultura pop mundial.



Oswald de Andrade (1890 – 1954): escritor, dramaturgo e ensaísta, foi um dos fundadores do Modernismo brasileiro e promotor da Semana de Arte Moderna de 1922, que teve lugar no primeiro centenário da independência do Brasil. Em 1924 – o mesmo ano do Manifesto Surrealista de André Breton – publica o Manifesto da Poesia Pau-Brasil (“Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias. A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. (...) Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil”) e, quatro anos depois, o Manifesto Antropófago (“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. (…) Tupi or not tupi, that is the question. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. (…) Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direcção do homem. (…) A idade do ouro anunciada pela América. A idade do ouro. E todas as girls”). A xenofagia cultural no lugar da xenofobia. Ou o Tropicalismo muito “avant la lettre”.



Rogério Duarte (n. 1933): artista gráfico, músico, compositor, poeta, tradutor e professor. Assinou diversos cartazes para filmes de Glauber Rocha, como Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e Idade da Terra, (deste último, compôs também a banda sonora). Entre outros, colaborou com Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Gilberto, Jorge Ben e Gal Costa. “Este era o pensamento dos Tropicalistas: nós não estamos aqui como os sambistas do morro que serão confinados a um lugar no quintal onde farão os seus pagodes e tomarão a sua cachaça. Não! Nós vamos invadir a sala de visitas e, antropofagicamente, pinçar elementos stravinskianos, schoenberguianos, de toda a vanguarda da música pop e de tudo o mais e inventar essa coisa do som universal. Uma característica importante do Tropicalismo e talvez única é que, ao mesmo tempo, ele foi um movimento de vanguarda e amplamente de massas. Ele não é um movimento mas um momento de um movimento que já começa muito antes. Como dizia Rimbaud, a verdadeira vida está ainda para ser inventada. O verdadeiro Tropicalismo também está ainda para ser inventado. Uma coisa não sei com que nome, nem com que forma, mas não vejo a não ser senão por essa direcção”.



Hélio Oiticica (1937 – 1980): pintor, escultor e performer; influenciado pelo Concretismo, Mondrian, Klee e Malevich. Nos anos 60, criou uma série de esculturas em forma de caixa interactivas (Bólides) e instalações designadas “penetráveis” das quais a mais famosa, Tropicália (1967), daria o nome a uma canção de Caetano Veloso e ao álbum-farol do Tropicalismo (Caetano Veloso: “Luís Carlos Barreto, um fotógrafo jornalístico que se tinha tornado produtor de cinema (...) impressionou-se com a minha canção e, ao ser informado que ela não tinha título, sugeriu ‘Tropicália’, por causa, dizia ele, das afinidades com o trabalho do mesmo nome apresentado por um artista plástico carioca, uma instalação (na época ainda não se usava o termo, mas é o que era) que consistia num labirinto ou mero caracol de paredes de madeira, com areia no chão para ser pisada sem sapatos, um caminho enroscado, ladeado de plantas tropicais, indo dar, ao fim, num aparelho de televisão, exibindo a programação normal. O nome do artista era Hélio Oiticica e era a primeira vez que eu o ouvia”).



Rogério Duprat (1932 – 2006): nos anos 60, estuda com Boulez e Stockhausen. Em Junho de 1963, com sete outros compositores brasileiros, lança o Manifesto Música Nova, defendendo um “compromisso total com o mundo contemporâneo” e o “levantamento do passado musical à base dos novos conhecimentos do homem naquilo que esse passado possa ter apresentado de contribuição aos actuais problemas”, terminando com uma citação de Maiakovski: “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. Escreve os arranjos para Tropicália e álbuns de Caetano, Gilberto, Tom Zé, Gal Costa e Os Mutantes, onde combina elementos da música erudita com procedimentos da pop/rock. Ficaria conhecido como o “George Martin da Tropicália” ou o “Brian Wilson do Brasil”.



Torquato Neto (1944 - 1972): poeta, jornalista e autor de letras de canções (com Caetano, Gil ou Edu Lobo), foi colega de liceu de Gilberto Gil. Escreveu o breviário Tropicalismo para Principiantes, onde defendeu a necessidade de criar uma pop genuinamente brasileira: "Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido". (2008)

1 comment:

Anonymous said...

Eu espero que não seja verdade. Que o Torquato que eu conheci não tenha tido o desprazer de ter sido colega do Gilberto Gil. Era um grande poeta.
Esqueceste na resenha do Jards Macalé.
Esquecido por todos. Segue a letra do Torquato. Falta a música e a voz do Jards:

(Jards Macalé e Torquato Neto)

Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that

Um suicídio mais "tropicália" impossível.