25 March 2008

SONGWRITER'S SONGWRITER



Prefab Sprout - The Gunman And Other Stories

Em 1985, Paddy McAloon proferiu uma daquelas declarações que, irremediavelmente, se colam ao seu autor para a vida toda. Afirmou ele, então, à revista "Jamming": "Sei que sou, provavelmente, o melhor 'songwriter' do planeta. Estou a falar a sério! Ninguém conhece sequer metade daquilo que escrevi. Mas sei quão bom sou porque me comparei com todos os grandes 'songwriters' — Prince, Lennon & McCartney, Bacharach, Richard Rodgers, Gershwin, até mesmo tipos como os Chic que não escrevem textos capazes de interessar estudantes de sociologia mas em que a música é tudo. É terrível dizer isto e nunca o disse a ninguém mas, no fim de contas, hoje, quem são os meus rivais?". Para quem sempre tenha pensado que "humildade" é um palavrão obsceno, este é exactamente o tipo de desabafo que sabe bem ouvir. E, embora possa, evidententemente, não ser muito rigoroso — mas quando se dizem coisas deste género não se está, naturalmente, a resolver um exercício de matemática —, a verdade é que McAloon, por mais arrogante que possa ter sido, não falhava muito o alvo. Poderia estar a esquecer-se de Elvis Costello e de mais um ou outro mas, de facto, como a história seguinte da pop anglófona haveria de demonstrar, a discografia dos Prefab Sprout constituiria um daqueles territórios demarcados onde a herança da melhor canção popular (circunscrita, justamente, ao perímetro aproximado daqueles nomes que Paddy McAloon referia) se desenvolveu e ampliou.



A arca da obra inédita dos Sprout, por outro lado, não deverá andar, em volume, muito longe da de Pessoa: se, em 83, Mc Aloon revelava que, por essa altura, já tinha um catálogo de canções suficiente para os proximos quatro álbuns, em 97, aquando da publicação de Andromeda Heights, anunciava que dispunha de material capaz de preencher... mais oito discos, entre "Earth - The Story So Far, uma história do mundo, e The Atomic Hymn Book, uma espécie de gospel agnóstico". E, afinal, por preguiça, excesso de perfeccionismo ou outro motivo qualquer, de 84 até hoje, a obra publicada do grupo resume-se apenas a seis álbuns (Swoon/84, Steve McQueen/85, From Langley Park To Memphis/88, Protest Songs/89, Jordan:The Comeback/90 e Andromeda Heights/97) aos quais, quatro anos após o último, se deve agora acrescentar The Gunman And Other Stories. Como Jordan, este é, outra vez, um álbum (vagamente) conceptual, organizado em torno da figura e da mitologia do cowboy. E que volta a reafirmar McAloon senão como "o songwriter" que se julga, pelo menos enquanto definitivo "songwriters' songwriter".


(o resto aqui e aqui)

De certa maneira, é ainda mais um argumento que tende a explicar a razão por que os Prefab Sprout nunca estiveram realmente "na moda" e que esclarece um pouco melhor uma outra afirmação de Paddy McAloon: "Detestaria que me vissem como um tipo antiquado. Na verdade, acho-me extremamente moderno. Simplesmente, não tenho o menor apreço pelo rumo que o mundo moderno seguiu". É que, se estas canções, em rigor, pouco ou nada têm a ver com o tal rumo que o mundo moderno seguiu, nem por isso deixam de ostentar o mesmo recorte de "modern classics" das de Gershwin, Cole Porter, Irving Berlin ou (estará McAloon de acordo?) Stephin Merritt. Pode-se-lhes reprovar, aqui ou ali, algum excesso de "slickness" na produção, um ou outro momento serão demasiado rebuscados (mas isso faz parte da concepção-McAloon), contudo, nesta outra colecção de dez composições em que "love is the gunman and he's coming to town" tudo circula entre as tradicionais referências do gospel, da herança country (da "square dance" de "Farmyard Cat" à revisão do clássico "Streets Of Laredo") ou da "showtune" sofisticada, entregando-nos de mão beijada mais meia dúzia de preciosidades da música popular de sempre como "I'm a Troubled Man", "Blue Roses" ou aquela outra melodia de veludo a encadernar palavras tão ásperas como "when you get to know me better you'll learn to love me less". (2001)

2 comments:

Anonymous said...

Caro João Lisboa,
Se eu bem me lembro, nessa altura utilizou precisamente esta citação para cascar na vaga de elogios ao McAloon e ao seu Steve McQueen... Parabéns pelo excelente blogue, descobri há pouco tempo e já sou visita assídua.
nuno

João Lisboa said...

Obrigado.


"Se eu bem me lembro, nessa altura utilizou precisamente esta citação para cascar na vaga de elogios ao McAloon e ao seu Steve McQueen..."

Eu é que não me lembro mesmo do que que está a falar...