31 October 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XX)



"'Murder In The Barn' é como um conto da Flannery O'Connor. Compro os jornais locais todos os dias e eles estão cheios de acidentes de automóveis. Tudo depende do que nos atrai. Será o humor negro irlandês? A minha mulher também provém de uma família irlandesa.

(...)

"O Greg Cohen, o Robert Wilson e eu fomos ter com o William Burroughs a Lawrence, no Kansas. Parecia uma cimeira literária. Ele tirou-nos fotografias a todos no portão. Levou-me até à garagem, mostrou-me as suas pinturas à pistola e o jardim. Por volta das três, começou a olhar para o relógio à medida que se aproximava a hora dos cocktails. Pareceu-me muito sério e erudito. Era, evidentemente, um perito em cobras, insectos e armas de fogo. Para mim, foi uma influência tão grande como Kerouac. Em Pela Estrada Fora, ele era o Bull Lee, uma espécie de Mark Twain mais ousado. Parecia concebido para ocupar a posição de poeta laureado da nação. Tinha uma visão mais ampla, cheia de cinismo e maturidade com um grande sentido de ironia que ia direito ao coração da experiência americana.

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"Hoje crio música muito mais agressiva do que quando tinha 23 anos? Pois é, estou sempre do lado errado. Deito fora o manual das instruções e, depois, fico a pensar como é que se monta o raio da geringonça... Não sei, talvez seja só eu a revoltar-me contra a luz que se vai apagando. Ou será, como se costuma dizer, que a juventude é desperdiçada nos jovens? Talvez, nos sintamos mais próximo desses sentimentos à medida que nos afastamos deles. O tempo não é uma linha recta ou uma estrada que nos vai afastando das coisas, é tudo exponencial. Tudo o que vivemos aos 18 anos permanece connosco. Todos os dias caem do espaço 43 milhôes de toneladas de poeira dos meteoros e o que isso terá a ver com isto, não faço a menor ideia.

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"Quando se produz um disco que também se está a gravar, é preciso dividir as tarefas. Ou tratamos nós da quinta ou temos de subcontratar mão de obra. Nem sempre sou em quem trata da reparação do material eléctrico lá em casa, habitualmente chamo um especialista. Por isso, contratámos músicos profissionais, um grupo do qual, honestamente, não sei se farei parte... Crio as formas e, às vezes, atrevesso-me no meu próprio caminho. O essencial é trabalhar com gente capaz de sucumbir ao poder da sugestão. É uma espécie de experiência hipnótica em que, quando se pede aos músicos que toquem como se tivessem o cabelo a arder, eles sabem exactamente o que queremos dizer.

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"Escrever canções com a minha mulher é assim: um segura no prego e o outro bate-lhe com o martelo. Colaboramos em tudo. Ela escreve mais inspirada por sonhos e eu pelo próprio mundo. Quando escrevemos canções, navegamos pelo meio da escuridão e não sabemos a direcção certa. Cinco minutos a mais e pode-se dar cabo de uma canção. Por isso, o tempo também participa do processo. Temos o nosso negociozinho familiar. Eu sou o prospector e ela cozinha. Eu trago o flamingo para casa e ela corta-lhe a cabeça. Eu meto-o na água e ela depena-o. Depois, ninguém lhe apetece comê-lo.

(...)

1999

(2007)

1 comment:

Anonymous said...

acabei de criar o o blog mais rebelde da net! eheh!