15 February 2007

ULTRA-RETRO-MODERNOS



Pizzicato Five - Playboy & Playgirl



Das Shonen Knife a Kahimi Karie ou aos Plastic Fantastic Machine (e restante equipa de prodigiosos espíritos mutantes da editora Bungalow), o que é realmente extraordinário é a forma absolutamente séria como esta ala ultra-retro-moderna da pop japonesa se recusa terminantemente a levar-se a sério. Se estivesse em dia de me apetecer fazer uma conferência sobre a influência do budismo zen sobre a pop contemporânea, explicaria como qualquer um dos seus discos tem muito mais a ver com isso do que mil declarações místicas de David Sylvian.



Mas posso, ainda assim, citar aquele sábio que afirmava que o zen é apenas "comer quando se tem fome, beber quando se tem sede e dormir quando se tem sono". Ou, acrescento eu, fazer os discos que nos apetece, como nos apetece e quando estamos para aí virados sem termos de perder um segundo com justificações.
Por outras palavras, se houver quem lhe apeteça imaginar que Tokyo é Londres no ano 2065 (por sinal, muito parecido com 1965), que o Festival da Eurovisão (qual NATO esquecida de que a sigla se refere ao Atlântico Norte) não só passou a acolher também o Japão como se transformou na Salzburgo do futuro e que o facto de nada disso fazer o menor sentido é absolutamente irrelevante, por favor, estejam à vontade.



Não terão, possivelmente, reparado mas, neste último período, descrevi quase por completo Playboy & Playgirl, dos Pizzicato Five.
Não desprezando o factor exótico de, aos nossos pobres ouvidos ocidentais, ser sempre muito sedutor escutar um disco que abre com uma voz de gueixa a sussurrar "Kinokiita otoko no ko, koko shibaraku deawanai" (que, já agora, com mais outros quantos fonemas acrescentados, se traduz, em inglês, para "Good boys, I don't find them lately, a sweet, cute, rich boy"), o que fica para além disso também não é nada de deitar fora.



Quero dizer, não é todos os dias que se tem a oportunidade única de se fazer uma viagem ao passado guiado por quem nunca o viveu (e, se o tivesse vivido, nem sequer o reconheceria mesmo que ele lhe mordesse), traduzido para uma língua e uma cultura completamente diferentes e radicalmente reimaginado sem a mais pequena preocupação de fidelidade histórica. Isto, claro, sou eu a especular porque eles, naturalmente, não pensaram em nada disso.



Misturaram simplesmente o que viram (ou julgaram que viram) e ouviram de Blow Up com James Bond, Os Vingadores, Audrey Hepburn, Sandie Shaw, O Santo, Twiggy, Carnaby Street, Knightsbridge e a "nouvelle vague" (reparem como aqui há muito mais imagens do que sons e, depois, verifiquem como isso se reflecte na música), tropeçaram em quatro ou cinco compilações de Burt Bacharach, da série "Top Of The Pops" e uma ou duas bandas sonoras de John Barry, viveram em casa dos disciplinadíssimos pais e, depois, começaram a gravar discos.



Aqui chegados, façam o favor de prestar atenção ao efeito "time warp" — acrescentado do inevitável "cultural warp" — e abram bem as orelhas para a total ausência de "self consciousness" (é como eu dizia, eles nem sequer pensaram nisso) que distingue radicalmente tudo isto da opereta britpop. Ou seja (olá zen, outra vez), eles divertem-se (e divertem-nos), mas nada daquilo é a sério.



E ai de quem disser o contrário! Os títulos — "La Dépression", "Rolls Royce", "Concerto", "Week-End", "La Règle Du Jeu", "Magic Twin Candle Tale", "Playboy Playgirl" — explicam quase tudo o que não há para explicar e, pelo meio de treze "lollipops" sonoros de coloridíssimo açúcar, não deixemos escapar um ou outro haiku como "Yasashii asa no chocola no nioi honno sukoshi hayaku okita aki no hi", isto é, "Scent of chocolate in one charming morning, waking up a little bit early in one Autumn morning". "Aki no hi" para si também. (1999)

1 comment:

Anonymous said...

gosto particularmente daquele primeiro videoclip dos P5: jean renoir visto por um busby berkeley de olhos em bico. prodigioso.