18 January 2007

Ó MÃEZINHA!



Então (como diz o povo), é assim: a típica bifa bimba viaja para o sul à procura de sol, praia, aventura e romance. Como ainda se vive a ressaca do flower-power, a típica bifa bimba — que ainda terá de esperar uma boa dezena de anos para ouvir falar, pela primeira vez, de "safe sex" — fornica com tudo aquilo que mexe e parece ser do sexo oposto. O resultado é a linda menina que, quando o pano sobe, iremos encontrar, vinte anos depois, na véspera do seu casamento, desesperada por nunca ter sabido quem é o papá. É aí que, no cérebro privilegiado do rebento da típica bifa bimba, cintila uma ideia: convidar para o casório os três candidatos "most likely" à paternidade que (de entre uma lista ligeiramente menor que a dos telefones) julga ter descoberto, bisbilhotando os diários da mãe quando ela era jovem, descuidada e uma grande maluca. Seguem-se, naturalmente, os mil e um episódios de uma comédia de enganos, o catálogo completo das fantasias sexuais das "working", "middle" e "lower-middle classes" britânicas de cromossoma XX (mas o XY também figura, a condizer, no retrato), tudo aquilo a que, para simplificar, poderíamos chamar uma dramaturgia de "típica bifa bimba-meets Zézé Camarinha". Ainda que, no caso, os "would-be-daddies" (nada de miscigenações étnicas, era o que faltava!), sejam também todos eles bifes e, está-se mesmo a ver, não é?, bimbos. O cenário pobrezinho é o de uma ilha grega (a típica bifa bimba emigrou de vez) mas, acreditem, assim que lhe pus os olhos em cima no palco do Prince Of Wales Theatre, quase me engasguei a pensar instintivamente "Albufeira!".



É aqui que devo dizer que tenho estado a falar de Mamma Mia!,o musical do West End londrino baseado no portentoso cancioneiro dos Abba que, desde há seis anos, tem facturado como Mateus Rosé nos jantares da pequena-burguesia do Essex, e se tem vindo a clonar em diversas réplicas planetárias. Questão crucial: as canções dos Abba mereciam isto? Claro que sim. Exactamente como Cole Porter, Irving Berlin ou Lennon & McCartney, elas são aquele exacto género de mil-folhas que tanto pode ser saboreado por estetas requintados "à la" Stephin Merritt como por todas as Sharons e Daves (eu traduzo: as Vanessas e os Fanãs) deste mundo. E, pelo lado desavergonhadamente "kitsch" da coisa (que é uma das suas maiores qualidades), só podia dar nisto. Ganham as Vanessas e os Fanãs que também têm direito à vida (pelas minhas contas, na versão Sharon/Dave daquela noite em Londres, estão quase todos a somar as últimas parcelas dos PPR), reforça-se a ideia absolutamente correcta de que, para toda e qualquer situação da vida, existe uma canção dos Abba — e é também por isso que eles são geniais — e, por entre duas ou três brejeirices toscamente ordinarotas e muita saudadinha dos tempos em que ainda não eram contabilistas e fumavam ganzas como se o mundo fosse acabar amanhã, escuta-se um karaoke bastante aceitável dos "greatest hits" de Benny, Björn, Frida e Agneta (alguns um bocadinho metidos a martelo mas nem dói muito) que, como só sucede com os melhores, resistem a tudo. A tudo, mesmo: ao guarda-roupa (os trapinhos, oh céus, os trapos e as cores!), à líbido ressequida das matronas à caça de meridionais priápicos, aos freudianismos de Reader's Digest e àquela encenação de musical em versão "teatro povero" — pode-se quase falar de uma "estética proletária" — que dá o que tem para dar e a mais não é obrigada. Pensem Filipe La Féria no Parque Mayer. Há trinta anos. Em pior. E divirtam-se como eu me diverti. Mamma Mia! merece-o.

(2005)

4 comments:

menina alice said...

Olha, que belo começo!

Bem-vindo ao blogo-bício! ;)

lflipcabral said...

ola João
Finalmente vou voltar a ler-te com regularidade
abraço

ND said...

"o que não coube antes e ainda não podia caber, fora do papel"
sim!

e no fundo, no fundo, tu também gostas de bricolage.

Rodrigo Nogueira said...

O Steve Nieve adora dizer que gamou o piano do "Dancing Queen" para o final do refrão do "Oliver's Army" do Costello. E funciona tão bem...