31 August 2016

STREET ART, GRAFFITI & ETC (CLXXI)

Almada, Portugal, 2016

Darren Hayman - Rodney Stoke, Somerset (Thankful Villages/VIII)

"Quando vos perguntarem onde está o dinheiro para novos programas sociais (ou simplesmente para manter os antigos) a resposta é simples: não é só a Apple, nem só a Irlanda, que estão metidas neste jogo imoral. Outras grandes companhias como a Google, a Amazon e a Facebook (para ficar só nas tecnológicas) pagam também uma fracção de um por cento de impostos. Países como o Luxemburgo especializaram-se (no tempo do actual presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker) em ajudar as multinacionais a fazer 'planeamento fiscal agressivo', uma prática que desvia dos cofres públicos cerca de 700 mil milhões de euros todos os anos. Se lhe somarmos a fuga ao fisco propriamente dita, dá mais do que todo o orçamento da UE — para sete anos. E, claro, pelos Países Baixos voam alto os lucros das empresas portuguesas: no início da década perdíamos cada ano dinheiro suficiente para financiar metade do Serviço Nacional de Saúde" (RT)

30 August 2016

... e estes não lhes ficam atrás...

Anna Meredith - "Blackfriars"

Irritados porquê? Estão muito bem uma para a outra
QUASE


Mesmo no final do ano passado, não pude deixar de registar aqui um inesperado "meeting of the minds" entre mim e o psiquiatra José Gameiro, a propósito da assombrosa experiência musical/sonora que é ser submetido a uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN). A quase totalidade do mundo discorda violentamente de nós e permanece absolutamente convicta de que existem, de certeza, seriíssimas razões para precisarmos de uma RMN ao cérebro. Nesse “quase” habita, porém, Anna Meredith que, há seis anos, em colaboração com a compositora electrónica Mira Calix, o neurocientista Vincent Walsh, o laboratório visual Loop.pH e a Aurora Orchestra, apresentou, em Suffolk, “Brainwaves”, um concerto/performance/instalação, inspirado, justamente, no universo sonoro das RMN. Produto académico certificado pela York University e o Royal College of Music, ex-compositora residente da BBC Scottish Symphony Orchestra, Meredith é, no entanto, o género de criatura perfeitamente capaz de compor para bancos de jardim de Hong Kong, "sleep pods" de Singapura, desfiles de moda e estações de serviço da M8 britânica. Enquanto, em paralelo, colabora com Anna Calvi, Laura Marling, Goldie, James Blake ou These New Puritans.



Após dois EP a solo – Black Prince Fury (2012) e Jet Black Raider (2013) –, era praticamente inevitável que, mais cedo ou mais tarde, aspirasse ao maior fôlego de um álbum. Já aí está: Varmints, exercício algo (mas não demasiado) björkiano de intersecção entre pop, música de câmara e electrónica, deambula pelo meio de frenéticas fantasias alternativas para jogos de video "vintage", vertiginosas cargas de cavalaria digital, encantamentos xamânicos vertidos sobre enxames de besouros sonâmbulos, ondulantes mantras zen para metrónomos taquicárdicos e, sim, duas ou três tentativas de encapsular tudo isso no formato-canção que (à excepção de "Taken", lugar geométrico onde Steve Reich, Young Marble Giants e Nirvana se saudam) é o ponto sobre o qual Meredith não tem ainda pulso suficientemente firme. Regressando, entretanto, às experiências sonoras singulares, informa-se que, em Vale Del Rei, algures no Algarve, poderá desfrutar-se de concertos vocais de dezena e meia de canídeos, ricos de massas corais, apontamentos solísticos e vibrantes "ostinati" rítmicos, intervalados por pausas de silêncio rural cageano.
... e as matérias curriculares também são interessantíssimas
Neil Hannon - "If You Go Away" 
(J. Brel)

É uma universidade (tal como o PSD a imagina) para formar as futuras elites do pedaço: bola, adjuntivo e actores pimba!

28 August 2016

(O 6º ANO A SEGUIR AO) ANO DO TIGRE (CXXI)

"I tried to charge a group of tourists to let them pet me once. But they didn’t seem to get what I was saying. Next time I’m putting out a tip jar” - Bowie, San Juan, Puerto Rico (ou a homonimia trans-continental)
"A reutilização [dos manuais escolares] pode limitar a utilização espontânea dos livros por parte das crianças" (Confederação Nacional das Associações de Pais)

Em português asseadinho, "utilização espontânea" significará usar o livro de Matemática para forrar o caixotinho do Tareco? Desenhar pirilaus sobre as maminhas da Vénus de Milo? Rasgar as 6 primeiras páginas do manual de Português para embrulhar o que sobrou do Big Mac do lanchinho?...

27 August 2016


The Divine Comedy - "There Is A Light That Never Goes Out" 
(Morrissey/Marr)

The Next Station is the first ever sound map of the London Underground. As well as documenting the sounds of the London Underground, by remixing and reimagining every sound it creates an alternative sound world based on the experience and memory of the iconic Tube

24 August 2016

Anna Meredith




"A pavorosa semântica do ministro da Educação explicou-nos, na altura, o que seriam as novas 'Novas Oportunidades': 'Este programa deverá assentar numa maior integração das respostas na perspectiva de quem se dirige ao sistema, tornando, na óptica do formando, coerente e unificada a rede e o portefólio dos percursos formativos, que no percurso individual devem ser passíveis de combinação personalizada'. Entenderam? * É tudo o que sabemos, para além de que pretendem começar com 50 milhões de euros" (SC)

* não pode negar-se a coerência do discurso relativamente aos anteriores episódios: I e II

23 August 2016

AINDA MAIS


Tenha sido o poeta Robert Browning, o pintor Ad Reinhardt, ou o arquitecto Mies Van der Rohe a criar o conceito “less is more”, a verdade é que, por muita selva – estética, política, filosófica – que o minimalismo tenha desbravado, persiste um considerável número de fortalezas que essa ideia nunca conseguiu assaltar. Uma das mais inexpugnáveis praças-fortes é, sem dúvida, a indústria discográfica. Só um exemplo: Jeff Buckley que, em vida, gravou um único álbum (Grace, 1994), entre compilações e registos ao vivo, possui, actualmente, uma discografia póstuma com dez títulos, um box-set de cinco CD e cinco DVD. Mais é sempre mais e nunca é suficiente. Exactamente aquilo que, no "booklet" indesculpavelmente... err... minimal (quinze curtas linhas laconicamente informativas) de .. It’s Too Late To Stop Now... Volumes II, III, IV & DVD, fica absolutamente explícito quando afirma que oferece “even more of Van Morrison and The Caledonia Soul Orchestra”


Para que conste, o volume I (intitulado apenas It’s Too Late To Stop Now e publicado em Fevereiro de 1974) é consensualmente considerado um dos mais memoráveis álbuns "live" de sempre: incluindo gravações de concertos do ano anterior, no Troubadour, de Los Angeles, no Santa Monica Civic Auditorium e no Rainbow, em Londres – nos quais Morrison se fez acompanhar da Caledonia Soul Orchestra, uma sobrenatural máquina de fazer música (rock, jazz, folk, blues, soul) de onze elementos –, apanha-o naquele instante supremo como intérprete de palco que o transformaria numa “religião” para Springsteen e a E-Street Band. Para trás, estavam Astral Weeks (1968), Moondance (1970), His Band and the Street Choir (1970) Tupelo Honey (1971) Saint Dominic's Preview (1972) e Hard Nose the Highway (1973) e seria daí (e do reportório dos mestres Sam Cooke, Willie Dixon, Ray Charles ou Muddy Waters) que extrairia o combustível para esta avassaladora demonstração do “inarticulate speech of the heart”. O “even more” anunciado (à excepção do DVD registado no Rainbow), consiste, então, de um eleborado jogo de tabuleiro em que os temas, todos, alegadamente, “previously unissued”, são, inevitavelmente, os mesmos embora retirados de concertos diferentes. Mas, tratando-se de Van Morrison, quem ousaria queixar-se da pequena trafulhice?
Meilyr Jones - "Strange/Emotional"

Se o Marcelo das meiguices (com a enorme responsabilidade acrescida de bravo ex-"sit-down comedian" da bandeirinha) não denuncia de imediato a pérfida conspiração internacional anti-lusa que elabora estas tabelas classificativas desavergonhadamente mentirosas, terá de ser demitido!
(as notícias que realmente importam)

21 August 2016

19 August 2016

"É raro um historiador poder encontrar uma relíquia como esta, este vestígio intacto do pensamento de outras eras, esta espécie de menino do Lapedo do intelecto. Só lamento mesmo, por pura picuinhice histórica, que o nosso cronista tenha o nome do imperador errado. César das Neves não está bem. Teodósio das Neves é que deveria ser" (RT)



Aos abrigos!
 

18 August 2016

Killer whistle

Fritz Lang - M, 1931 (Edvard Grieg, "In The Hall Of The Mountain King")

Alfred Hitchcock - The Hands of Mr. Ottermole, 1957 ("Greensleeves")

Roy Boulting - Twisted Nerve, 1968 (Bernard Herrmann)

Quentin Tarantino - Kill Bill Vol. I, 2003 (Bernard Herrmann)
É reconfortante ouvir um secretário de estado, da ilustre cepa ludopédica dos Mourinhos, dissertar na RTP3 sobre "a demorosidade" do processo de nomeação dos administradores da CGD - realmente, quem sai aos seus não é de Genebra

15 August 2016

GÉNIO


A obra literária de William S. Burroughs – entre textos de ficção e não-ficção – não é extraordinariamente extensa mas, se lhe acrescentarmos a discografia, o panorama altera-se significativamente. Desde os numerosos álbuns de "spoken word" puro (em particular na Giorno Poetry Systems) às colaborações com diversos músicos (Frank Zappa, John Cage, Philip Glass, Laurie Anderson, Bill Laswell, Ministry, Kurt Cobain, R.E.M.), seria, porém, sob produção de Hal Willner que a articulação entre texto, voz e música(s) descobriria as condições ideias de temperatura e pressão para ocorrer da melhor forma. Willner, especialista de álbuns monotemáticos – Amarcord Nino Rota (1981), Lost In The Stars: The Music of Kurt Weill (1985), Stay Awake: Various Interpretations of Music from Vintage Disney Films (1988), Weird Nightmare: Meditations on Mingus (1992), Closed On Account Of Rabies - Poems And Tales Of Edgar Allan Poe (1997), The Raven (de Lou Reed, também em torno de Poe, 2003), Rogue's Gallery: Pirate Ballads, Sea Songs and Chanteys (2006) e Son of Rogues Gallery (2013) – entregues nas mãos e talentos de gente vária, capitaneara para Burroughs os óptimos Dead City Radio (1990, com John Cale, Donald Fagen, Chris Stein e os Sonic Youth) e Spare Ass Annie and Other Tales (1993, com os Disposable Heroes of Hiphoprisy). 



E, sabemo-lo agora, pouco antes da morte de Burroughs, em 1997, recrutara o guitarrista Bill Frisell, o teclista Wayne Horwitz e o violinista Eyvind Kang, para criarem a moldura sonora numa leitura de textos de Naked Lunch. Segundo Willner, em linguagem convenientemente burroughsiana, esses registos ficaram, até hoje, “abandoned and collecting dust on a musty shelf as forgotten as a piece of rancid ectoplasm on a peep show floor”. Quase vinte anos depois, e decisivamente enriquecido pelos contributos do canadiano Arish Ahmad Khan/King Khan, do compositor, “performer” e contra-tenor novaiorquino M Lamar, e da banda psych/punk australiana The Frowning Clouds, Let Me Hang You, abrindo com a voz de além-túmulo de Burroughs a proclamar “They call me The Exterminator!”, é mais uma belíssima peça no glorioso cânone de psicose e devassidão de, segundo Norman Mailer, “the only living American novelist who may conceivably be possessed by genius"





10 August 2016

EPIFANIAS


Thurston Moore (ex-Sonic Youth, coleccionador voraz e editor) não tem dúvidas: nunca correremos o risco de não existir mais música por descobrir. E, ao número de Maio passado da “Uncut”, enumera os vastos filões a garimpar: “Archives of dialects, extensive collections of our voices and their nuances, gospel church choirs, obscure Cherokee peace dances, Everglade alligator songs, Maori friendship movements, poet spoken-word treaties, ballads of the Civil Rights era(s), fado cries for sailors, modernist compositions that have had the power to elate or destroy our soul, reggae with a compassion no man has without song”. E, panfletarizando o assunto, acrescenta: “Em lojas de discos bem abastecidas, são todos bem-vindos. Não é refugo para DJs, nem escória de coleccionadores. Estes lugares são bibliotecas. Nunca se esgotarão novos territórios sonoros – poderá apenas haver alguma escassez de ouvidos atentos e de corações prontos a bater”. Entre outros lugares de peregrinação, refere a Honest Jon’s de Portobello Road, em Londres, onde, um dia, após quase insana demanda do Graal, num instante de puríssima epifania para ateus, me foi depositado nas mãos – pelo igualmente extático "Honest" Jon Clare original? – o vinil de Promise Nothing, de Virginia Astley.


No dossier da “Uncut”, são referidos o coleccionador compulsivo brasileiro, Zero Freitas (6 milhões de vinis "and counting"), as lendárias (re)descobertas de Rodriguez, Linda Perhacs, William Oneyeabor, Lewis Baloue ou Elyse Weinberg e compilações preciosas montadas a partir de pepitas dispersas e/ou perdidas como Ork Records: New York, New York, da Numero Group. From The Outside, de Bert Jansch, é um dos mais recentes exemplos. Publicado originalmente na Bélgica, em 1985, numa edição de 500 exemplares, seria, fugazmente, reeditado em CD (1993 e 2001) e, desde então, permaneceria com o estatuto de raridade na discografia do sombrio e fabuloso guitarrista (morto há 5 anos), fundador dos Pentangle. Finalmente reeditado, agora, pela Earth Recordings (mas também apenas 1000 cópias "worldwide"...), é Jansch – voz, guitarra e banjo – em regime de produção-zero, às mãos de tarefeiros de estúdio de Londres e Copenhaga, reduzido à essência, “watching the dark” com a mesma feroz intensidade que nos habituámos a esperar de Richard Thompson.
VINTAGE (CCCXII)

Azembla's Quartet - "Esquece Tudo O Que Te Disse"

08 August 2016

06 August 2016

Daylight Robbery

"More than three hundred years ago, King William III introduced a window tax across Great Britain where people were taxed according to the amount of daylight entering their homes. As a result, many windows were bricked up, and remain so to this day, as homeowners fought against what is thought to have inspired the term ‘Daylight Robbery’. Now in 2016, the Portuguese government has found a new, but arguably similar way of taxing houses, with the amount of exposure to the sun and views, being the cornerstone of a new council tax which it says is aimed at making the country more 'socially just'" (daqui)

02 August 2016

A RECEITA DO DR. LEARY


No início de 1966, acompanhado por Paul McCartney, John Lennon entrou na Indica Books and Gallery – bastião do "underground" britânico da época onde Lennon conheceria Yoko Ono – e perguntou a Barry Miles (fundador da livraria e também do jornal contracultural “International Times”) se teria algum livro de “Nitz Ga”. Miles levou algum tempo até compreender que o que ele procurava eram obras de Nietzsche. O suficiente para, sentindo-se humilhado, Lennon se lançar numa diatribe contra “os betos universitários” que McCartney só conseguiu apaziguar explicando-lhe que Barry era um ex-"art college student" como ele. Mas, entretanto, já John se detivera sobre a prateleira onde se encontrava The Psychedelic Experience: A Manual Based On The Tibetan Book of The Dead, de Timothy Leary, Ralph Metzner e Richard Alpert, bíblia do experimentalismo lisérgico da altura. Na página 14 da introdução, leu “Whenever in doubt, turn off your mind, relax and float downstream”. Nesse instante, naturalmente, não tinha consciência disso mas, pouco depois (com ingestão de LSD incluída, seguindo à risca a receita do dr. Leary), esse seria o ponto de partida de "Tomorrow Never Knows", primeira canção a ser gravada para Revolver – publicado exactamente há 50 anos, a 5 de Agosto de 1966 –, o álbum dos Beatles que, de modo infinitamente mais radical do que Sgt. Pepper’s, mudaria o curso da música pop. 



Os 2’58” de "Tomorrow Never Knows" (assentes sobre um "drone" de tambura), em particular, implicaram o processamento da voz através de um Leslie speaker (habitualmente associado ao orgão Hammond), a gravação e montagem de "tape loops" (moléculas da 7ª sinfonia de Sibelius, curtos motivos de mellotron, sitar, piano e guitarra, em velocidade acelerada, retardada ou em "reverse") inpiradas por Stockhausen, Berio e pela "musique concrète", e a invenção do Artificial Double Tracking. Antecipando a comemoração do meio século de Revolver, há cerca de três semanas, Andrew Liles (prolífero "sound artist", colaborador, entre outros dos Nurse Wih Wound e Current 93) publicou na sua página do Mixcloud uma avassaladora e hipnótica "remix" de "Tomorrow Never Knows", de 50 minutos. Quinze dias depois, desaparecia *, “deleted by the dark powers of copyright”. No Facebook, Liles insurgiu-se como pôde: “Estou certo que, até lhe extraírem a última gotícula de valor monetário, esta canção andará por cá ainda muitos anos. ‘Close your eyes relax and float downstream”… e, quando os abrirem, tentem ignorer a fétida fossa séptica em que nos achamos a nadar”

* Nota (31.05.2017):reposta