"Em Portugal, quando se está num verdadeiro festival político de identidades, neste caso a propósito do racismo, o efeito de ocultação do discurso ideológico 'anti-racista' sobre as questões de fundo esbate os problemas sociais, a exclusão, a marginalização. Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava, mas as fontes do conflito são sociais antes de serem 'identitárias'. Um negro rico, ou académico, ou yuppie, ou consultor financeiro é cada vez menos negro e um negro pobre é cada vez mais negro. Todos têm de lidar com a cor da pele, como os brancos em África, e o racismo é inaceitável, mas só a melhoria da condição social é eficaz para o combater. (...) Sendo a política de 'identidades' uma forma de reformismo, daí não vem nenhum mal ao mundo. Porém, tem um efeito perverso cujos custos a esquerda ainda não percebeu que está a e vai pagar: é fazer espelho com a outra política de 'causas' da direita radical, os movimentos antiaborto e anti-imigrantes, a islamofobia a favor da 'civilização cristã', a mulher dona de casa, o anti-intelectualismo, a defesa dos valores 'familiares', o lobby pró-armas nos EUA, ou 'as meninas são de cor-de-rosa e os rapazes de azul' dos Bolsonaros, os pró-tourada, os homofóbicos, etc. Acantonados nas suas 'causas', cada uma reforça a outra, o SOS Racismo dá forças ao PNR e vice-versa, e fora do 'meio' destes confrontos, a nova direita 'alt-right' ganha sempre mais força, porque é capaz de transformar isto tudo num discurso global através do populismo e a esquerda não" (JPP)
"Um negro rico, ou académico, ou yuppie, ou consultor financeiro é cada vez menos negro"
ReplyDeleteCompletamente errado. Ignorando completamente as dificuldades gigantescas em lá chegar, excepto se já vier de famílias abastadas e com conexoes, JPP acha mesmo que se um negro for visto na rua, num supermercado, num restaurante, a querer entrar numa discoteca, etc, as pessoas que com ele se cruzam, ou o devem atender, vao pensar "Ah, é consultor financeiro"? Ou irao pensar que é "um preto", e irao negar-lhe a entrada, ou mandar o seguranca vigiá-lo?
Dispensava isso, como dispensava o "Eles também sao racistas" sobre África. O status social dos brancos em África nao tem nada a ver com o dos negros em Portugal.
Concordo com as dificuldades que a esquerda tem em combater discursos facilistas-popularuchos. Mas acho que ao Pacheco falta nocao neste texto.
Mais ou menos de acordo. Mas, ao mesmo tempo, dizer "as pessoas que com ele se cruzam, ou o devem atender" também cai numa generalização abusiva: "as pessoas"? quais "pessoas"? todas as "pessoas"?
ReplyDeleteMaa o essencial, para mim, é: "Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava, mas as fontes do conflito são sociais antes de serem 'identitárias'"
ReplyDeleteNao é preciso serem todas. O problema é haver muitas, e uma só já ser demais.
ReplyDeleteClaro que uma só já é demais. Mas, na ausência de um mundo perfeito, só uma já seria óptimo.
ReplyDeleteMais "food for thought": existe - por cá - racismo em relação a chineses, indianos, paquistaneses, nepaleses? Não será, mais uma vez, por uma questão essencialmente social, isto é, por todos ou quase todos eles fazerem parte de uma classe média (mais baixa ou mais alta) comerciante e não de um proletariado/lumpen encarado como inferior e desclassificado?
(claro que existe, paralelamente, a exploração selvagem e criminosa - tráfico humano/escravatura - de trabalhadores asiáticos na agricultura e noutras actividades; mas isso já é outra conversa que poderia até incluir o tráfico de mulheres de várias origens para a prostituição)
Já nao moro em Portugal há quase 6 anos. Mas enquanto o PM for designado como "o Chamucas", e os indianos e paquistaneses forem "os monhés", diria que sim, que existe racismo. A diferenca, se calhar, factores como a história expliquem a diferenca com que sao encarados. Talvez, se nao montassem o próprio negócio, nao lhes fosse assim tao fácil arranjar emprego noutros sítios.
ReplyDeletePorque na questao da origem social, o branco que for de fato e gravata a entrevista de emprego, é provável que só lhe olhem para as qualificacoes, e nao saibam ou perguntem se ele vem de um bairro social. Será que no caso dos nao-brancos (e isto sem esquecer que o "branco" tuga nao é branco nenhum aos olhos de outros mais "esbranquicados") isso seria verdade?
"enquanto o PM for designado como "o Chamucas", e os indianos e paquistaneses forem "os monhés", diria que sim, que existe racismo"
ReplyDeleteÉ racismo, sim. Mas daquela variedade, indiscutivelmente imbecil, mas inóqua. Não imensamente diferente das anedotas sobre alentejanos.
"Talvez, se nao montassem o próprio negócio, nao lhes fosse assim tao fácil arranjar emprego noutros sítios"
É possível que sim. Mas, mais uma vez, é essa possibilidade de montar um negócio que os "eleva socialmente".
"Será que no caso dos nao-brancos (e isto sem esquecer que o "branco" tuga nao é branco nenhum aos olhos de outros mais "esbranquicados") isso seria verdade?"
Isso até está bastante explícito no texto do PP: "Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava".
E, sim, há olhos que observam o "branco tuga" como "not quite" branco. Mas, insisto, especialmente neste caso, pelo preconceito de ser europeu do Sul, pobretanas, madraço e pouco "empreendedor". O chamado reflexo-Dijsselbloem.