SEGUNDA PELE
É oficial: Richard Thompson aderiu ao marxismo. Não na variante m-l, nem sequer na mais heterodoxa tendência Groucho. A de Thompson, foi criada por Henry Charles Marx (1875-1947), fundador da companhia Marxochime Colony, no Michigan, e inventor do marxophone. Descrito como “bandolim-guitarra-cítara” ou, alternativamente, celestaphone, é uma espécie de dulcimer vitaminado, membro obscuro da numerosa família de instrumentos híbridos, muito popular entre o final do século XIX e início do XX, que deu, igualmente, ao mundo o ukelin (ukulele+violino) e a tremoloa (cítara+guitarra havaiana). Na verdade, nem será coisa assim tão esotérica, na medida em que, dos Doors a Fiona Apple, Laurie Anderson, Aimee Mann, Beach Boys, Portishead, Fleet Foxes (e mais umas dezenas de outros), sem que o suspeitássemos, esteve presente em considerável número de gravações. Deixemos, então que, à quarta faixa de Still ("Broken Doll"), o marxophone nos arrepie sobre o gemido de um órgão distorcido, olhos nos olhos com o abismo (“As you look through me to something else, in your eyes I think I see twisted up infinity, angel soul imprisoned in a shell”).
Sim, porque, quando se trata de Richard Thompson – desde "The End Of The Rainbow" até, aqui, a "Dungeons For Eyes" –, podemos estar certos que a dor e a débil crença na benignidade da espécie que se lhe colam como uma segunda pele, serão sempre, irremediavelmente, o "plat du jour". Aceitando ser produzido por Jeff Tweedy (Wilco), não pode afirmar-se que as marcas deste sejam notórias: as canções fluem magnificamente por entre palavras ácidas (“He’s smiling at me, the man with the blood in his hands, the man with the snakes in his shoes, am I supposed to love him?”), melodias que tanto ecoam e transfiguram a tradição folk britânica como se ajeitam a inflexões jazzy ou a modalismos orientais, e uma guitarra lança-chamas mas visceralmente geométrica e avessa à tagarelice. Isto é, (im)puríssimo Richard Thompson, exactamente o mesmo que se permite oito minutos finais de descompressão em "Guitar Heroes", homenagem e paráfrase dos mestres (Django Reinhardt, Hank Marvin, Chuck Berry, James Burton, Les Paul, Dale Hawkins) rematada pela confissão “I still don’t know how my heroes did it!”
Uma cerimónia cheia de belos conselhos:
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