04 October 2009

ESTRANHOS NUMA TERRA ESTRANHA



Gong - 2032

Impedido de entrar em Inglaterra porque o seu visto de residência expirara, expulso de França devido a uma intervenção demasiado entusiástica nos tumultos do Maio de 68, acabado de regressar de Maiorca a Paris, quando a atmosfera política já serenara, que faz o australiano Daevid Allen, sem um tecto para dormir? Evidentemente, pega na lista telefónica local, abre-a ao acaso e liga para o primeiro número onde lhe poisam os olhos. E, sim, o senhor Reynard que o atende do outro lado, responde-lhe que até tem uma casa para alugar, vazia desde há trinta anos, no meio de uma floresta. Aqui começava a segunda encarnação dos Gong. Antes disso, Allen já vivera, no início da década de 60, no Beat Hotel, também em Paris, onde conhecera William Burroughs e Terry Riley, traficara haxixe e flirtara com a vanguarda Fluxus, fizera parte da primeira formação dos Soft Machine (que abandonou quando os Beatles, os Stones, os Pink Floyd e os Who começaram a aparecer nos concertos da banda, o que lhe pareceu demasiado "mainstream"), e, por sugestão de Robert Wyatt, no rescaldo dos sarilhos de Maio, refugiara-se na comuna artística maiorquina de Deià, na qual conviveu com o poeta Robert Graves, escritores, músicos e místicos sufi, e descobriu o saxofonista Didier Malherbe que, naturalmente – depois de ter estudado flauta de bambu, na Índia, e sopros norte-africanos, na Tunísia -, vivia na caverna de um pastor de cabras.



Do núcleo inicial dos Gong, sobrara a companheira Gilli Smyth, alucinada académica britânica e professora da Sorbonne, cúmplice de aventuras sonoras que envolviam “space whispering”, flautas, guitarra eléctrica e um estojo de instrumentos de cirurgia ginecológica do século XIX. Alimentados a uma dieta de músicas orientais, free-jazz, LSD, Situacionismo, rock, Alfred Jarry, "tape-loops", absurdismo, patafísica e sci-fi demente, na imprescindível trilogia Flying Teapot, Angel’s Egg (ambos de 1973) e You (1974), entraram em contacto com o Planeta Gong, atribuíram o verdadeiro sentido ao termo psicadelismo e empenharam-se na preparação dos humanos para a chegada dos extra-terrestres.



Mil e uma peripécias, trips sem regresso, separações e reuniões mais tarde, no seu 40º aniversário, anunciam-nos que devemos preparar-nos para acolher a benigna invasão em 2032 e, com o guitarrista Steve Hillage no comando (às vezes, excessivamente presente...) das operações, são uns Gong amansados por um funk redondo mas ainda desejável e irrecuperavelmente lunáticos (e Allen e Smyth são já septuagenários) que reencontramos, por entre danças com gnomos, “Robo Warriors” e “Yoni Poems” – eternamente “strangers in a strange land”. Haverá por aqui uma moral? Há, sim: lida a História de trás para a frente, Devendra Banhart e seita psych afim não passam de betos tenrinhos armados em freaks de fim-de-semana.

(2009)

3 comments:

  1. O título do livro do Heinlein ficou.

    O Devendra é um chato.

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  2. ainda tenho o actual dobrado nesta página..até que enfim que em palavras, revejo o que acho dos Devendras e afin..Mojo Outubro: último album - talvez devesse levar a sério o seu trabalho.

    saudações do 2º

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