04 January 2009

ARREGALAR OLHOS



The Welcome Wagon - Welcome To The Welcome Wagon




Sufjan Stevens - Astral Inter Planet Space Captain Christmas Infinity Voyage

Umas continhas rápidas: aos 33 anos, do projecto – iniciado em 2003, com Greetings From Michigan, The Great Lake State – de gravar um álbum para cada um dos 50 estados norte-americanos, Sufjan Stevens, até agora, conta apenas com esse e Come On Feel The Illinoise, de 2005. Ora, mesmo que ele arrepie caminho e, daqui em diante, disciplinadamente, passe a gravar um por ano, será a um venerável octogenário que a grande nação americana deverá prestar a devida homenagem por altura da conclusão desse imenso painel musical. Longa vida, muito longa, pois, a Sufjan. Talvez, até necessariamente mais prolongada do que isso uma vez que, se o padrão em curso não se modificar, as cinco décadas irão ser francamente insuficientes: nestes últimos três anos, apenas publicou, em 2006, The Avalanche: Outtakes and Extras from the Illinois Album e a caixa de cinco EP, Songs for Christmas, e, este ano, Astral Inter Planet Space Captain Christmas Infinity Voyage (mais sete “Christmas carols” em formato “weird-Stevens) e, acima de tudo, Welcome To The Welcome Wagon - estreia do duo familiar Welcome Wagon mas, essencialmente, um novo álbum de Sufjan Stevens-sob-um-outro-nome que nele desempenhou as tarefas de produtor, engenheiro de som, arranjador e orquestrador.



Apresente-se, primeiro, as personagens envolvidas: Vito e Monique Aiuto, casal vizinho de Sufjan, em Brooklyn. Ambos naturais de Tecumseh, no Michigan, ela licenciada em Belas-Artes pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, ele escritor, poeta, estudante de Teologia em Princeton, e actualmente, pastor presbiteriano na Ressurection Presbyterian Church de Brooklyn a quem, em Greetings From Michigan, Stevens (conheceram-se quando frequentavam os dois um curso de escrita criativa, em 1999, na New School de Nova Iorque) dedicou "Vito's Ordination Song" que cantou durante a cerimónia da sua ordenação. Uma outra peça do puzzle já conhecida mas que convém aqui recordar: Sufjan Stevens, para além de candidato actual “most likely” ao trono de Brian Wilson, é também figura destacada da “pop cristã” norte-americana. Somemos, então, dois mais dois e, se nos apetecer especular desvairadamente um bocadinho, é altura de arregalar olhos agnósticos e ateus perante a intrigante coincidência de, entre a febril Brooklyn e os subúrbios de Lisboa, entre Presbiterianos novaiorquinos e Baptistas de Queluz, entre a Asthmatic Kitty e a FlorCaveira, ocorrerem algumas das mais surpreendentes aventuras musicais contemporâneas.



Porque Welcome To The Welcome Wagon, não dissimulando a “inspiração cristã” do que era, originalmente, a sua “traditional bluegrass Jesus music”, não hesita em incluir versões de temas dos Smiths (“Half A Person”) e dos Velvet Underground (apropriadamente... “Jesus”) pelo meio do programa de “pastor and wife join voices in sacred folk songs for all ages” que a capa anuncia mas no qual é obrigatório referir a gloriosa cenografia orquestral de Stevens que, à “naïveté” de Vito e Monique acrescenta bandas de sopros, coros gospel, alusões morriconianas e inúmeros outros detalhes de ourivesaria sonora que o transformam, indiscutivelmente, em coisa sufjiana. Exactamente o mesmo que acontece (a começar logo pelo título) em Astral Inter Planet Space Captain Christmas Infinity Voyage onde as sete “carols” – em particular, a primeira, “Angels We Have Heard On High”, espécie de consoada no Forbidden Planet de Louis e Bebe Barron – viram delirante e saborosa matéria-prima de “sci-fi” cristã.

(2009)

3 comments:

  1. Olha que fixe! Eu tinha ouvido esses Welcome Wagon no reveillon e não me estava a conseguir lembrar do nome. Grata pelo serviço público, Irmão Lisboa.

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  2. Não tem que agradecer, Irmãzinha, somos uns para os outros.

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  3. «Somemos, então, dois mais dois e, se nos apetecer especular desvairadamente um bocadinho, é altura de arregalar olhos agnósticos e ateus perante a intrigante coincidência de, entre a febril Brooklyn e os subúrbios de Lisboa, entre Presbiterianos novaiorquinos e Baptistas de Queluz»

    Isto já me parece delírio crítico. Irmão, tanta devoção também não...

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