06 November 2008

NAÇÕES UNIDAS


Trans-Global Underground - International Times

No quartel-general da Nation Records, sede de um trio tão essencial da música actual como os Loop Guru, Fun-Da-Mental e Trans-Global Underground, há uma espécie de mantra implícito que todos entoam em uníssono: "Existe, aí fora, um mundo inteiro cheio de sons. Ainda que nos possa parecer estranho, oiçamo-lo, usemo-lo e construamos a nossa música a partir desse planeta sonoro". Por isso, já lhes chamaram em conjunto "sampladelic troubadours". Mas se, de um modo geral, se referem obsessivamente a Brian Eno, às músicas árabes e orientais, a Steve Reich, La Monte Young, Can ou às técnicas de colagem de Robert Rauschenberg, os Trans-Global Underground preferem falar de si mesmos em termos menos transcendentes. Dizem simplesmente "We're the dirty underbelly of world fusion". Aliás, a própria designação da editora, Nation, deve ser lida em sentido lato, levando em devida consideração a ampliação do conceito que o título do primeiro álbum dos TGU propunha: Dream Of a 100 Nations. Assim mesmo: o sonho de uma rede sonora global, concretizando, em termos estéticos e musicais, o ideal de umas Nações Unidas onde, se existe tensão, ela se deverá resolver através do exercício de colisão criativa das diferenças.



Nesse disco que houve quem descrevesse como "um safari psíquico através do National Geographic Magazine", lado a lado e em sobreposição, coexistiam samples afro-indo-árabes, batidas de dança, assombrações de um universo virtual e, frequentemente, a voz simbolicamente judaica-árabe-belga-britânica de Natacha Atlas que fazia as suas interpretações descolar do solo e, em palco, ao caleidoscópio de um mundo em vertigem, acrescentava uma dança do ventre peculiar que tanto remetia para as mil e uma noites como para um terreiro de candomblé.



International Times, o segundo capítulo da saga TGU, é outra vez um remoínho de música de dança alojado no umbigo do planeta que atrai para si uma visão holográfica do mapa cultural: desmaterializado mas ainda tridimensional, eclético mas a denunciar a precisão de um conceito que a tudo impõe coerência, com um pé em cada cultura mas aspirando a uma universalidade para que o apelo rítmico serviria de livre trânsito. Como uma rosa dos ventos em rotação delirante sobre o código genético da espécie, transcrita em linguagem digital. De facto, enquanto mosaico eufórico de percussões magrebinas, guitarras eléctricas, ragga, rap, violinos egípcios, música de filmes indianos ou techno ambiental, a música dos TGU invoca um certo excesso metafórico. Mais exactamente, ela é esse mesmo excesso, colorido com uma "etnicidade" que a realidade não reconhece (se aqui existe alguma "etnia" é a do "melting pot" metropolitano) mas que faz todo o sentido em pleno contexto de contágio de eras, lugares e culturas. Se a música do universo real ainda não é esta, o seu espírito já começou a ser invadido. E é exactamente aí que se adivinha a imagem do mundo que vem a seguir.

(1994)

6 comments:

  1. Tu arruinas-me o fundo de maneio... Achas que consigo os encontrar, mais o Zazou mais abaixo, na Oxigénio, creio que é o nome, perto do Lux?
    Gracias

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  2. Duvido. Nas de segunda mão - tipo Carbono, na R. do Telhal -, com sorte, talvez. Ou, então, esgravatando o maravilhoso mundo da Internet.

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  3. Há Zazous com fartura na VGM - frente ao Picoas Plaza.

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  4. na moribunda aNaNaNa tb podes encontrar umas coisas... e a loja que referes chama-se flur.

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  5. O primeiro disco dos TGU é um grande, grande disco, na esteira estética do "My Life in the Bush of Ghosts".

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  6. Gracias a todos: sacado o "Reivax Au Bongo", encomendados o "The House of Mirrors" e o "International Times", juntamente a Flur, ao lado do Sapato de Bico, e tal...
    E claro que tomei nota da Carbono :)

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