04 April 2007

QUEBRAR O ESPELHO


Faun Fables - Family Album

Considerem imediatamente como um tesouro, como uma preciosidade rara, aquilo que têm nas mãos (sim, porque não tenho a menor dúvida que vão querer ter nas mãos este Family Album). Isto é o género de disco que, nos tempos que correm, praticamente não existe: música que não se parece com nada e que, ainda por cima, é sobrenaturalmente superlativa. Também não deverão conhecer muitos outros cujo texto de uma das canções ("Poem 2") seja atribuído a um fantasma ainda que isso possa colocar alguns problemas em matéria de "copyright"... Porque o que Dawn McCarthy e Nils Frykdahl aqui concretizam é uma daquelas totalmente improváveis coreografias de referências onde tudo aquilo que, por um momento, evocam, no instante seguinte deixa de se assemelhar a si próprio e se transforma em algo de definitivamente outro.

(álbum integral aqui)
 
Em primeiro lugar a(s) voz(es): Dawn McCarthy faz pensar em Mimi Goese (a solo e com os gloriosos e insubstituivelmente desaparecidos Hugo Largo com quem, aqui e ali, Faun Fables tem pontos de contacto), em Kristin Hersh, às vezes, até em Grace Slick; Frykdahl lembra uma impossível combinação do Bowie mais teatral e cabarético com Tom Waits. Não terão reparado mas, um segundo antes de ter colocado o último ponto final, já a enunciação de todos estes nomes deixou de fazer qualquer sentido. Depois a música, ela mesma: se "Rising Din" parece uma reconfiguração de "Ma Mort", de Jacques Brel, "Mouse Song" adapta uma "melodia tradicional suiça", a avassaladora "Carousel With Madonnas" traduz e reinventa sob um temporal uma canção polaca de Zygmunita Koniezcyniego e "Eternal" é a versão de um tema de Brigitte Fontaine. Antes, depois e durante, por entre flautas, violoncelos, guitarras, vibrafones, glockenspiels, orgãos e coros litúrgicos, pairam os espectros da folk-de-sessão-espírita, dos King Crimson, de vozes de crianças italianas num pátio de escola, deste mundo e, literalmente, do outro. Há duas frases de duas canções que poderiam sintetizar todo o disco: uma é "too new to be cautious or wise, falls into danger with an innocent eye", de "Preview"; a outra, "from root to belly, hair to thorn, I break the mirror to be reborn", de "Poem 2". Indiscutivelmente, um dos grandes discos do ano. (2004)

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