24 January 2017

ACRÓNIMOS 


POTUS é o acrónimo usual para President Of The United States. Tal como SCOTUS para Supreme Court Of The United States. E FLOTUS para First Lady Of The United States. Publicado quatro dias antes da data na qual parecia bastante provável que, pela primeira vez na História norte-americana, uma ex-FLOTUS se tornasse POTUS, FLOTUS, décimo segundo álbum dos Lambchop, aludia a isso mas não era exactamente isso. Na verdade, Kurt Wagner assegura que, no caso, o acrónimo deverá ser lido “For Love Often Turns Us Still”. Alargando o campo interpretativo, explica que se trata de uma metáfora para os felizes 20 anos de casamento com Mary Mancini, ex-proprietária da Lucy’s Record Shop (centro de gravidade indie/punk de Nashville, de 1992 a 1998) e, desde 2015, presidente estadual do Partido Democrático no Tennessee. De quem, ele seria, naturalmente, o/a FLOTUS. Cumpriu, de imediato, as obrigações inerentes ao cargo na capa do disco que exibe um desenho seu, feito a partir de uma fotografia reenquadrada de Mary, sobre cujo ombro se vê uma mão. De Barack Obama. 

E, se o fatídico 8 de Novembro não concretizou a desejada transição FLOTUS-POTUS, isso não impediu que o sucessor de Mr M (2012) estivesse absolutamente à altura do caderno de encargos. Superou-o até. Inspirado pelo que vinha escutando de Kendrick Lamar, Flying Lotus e Shabazz Palaces, e socorrendo-se de um processador de voz – o TC-Helicon VoiceLive 2 –, a música dos Lambchop (prolongando a experimentação do projecto paralelo HeCTA) converteu-se numa condensação de vapores jazzy, palpitações rítmicas, desvios minimalistas e pontilhismos pianísticos que propõe um ângulo narrativo diferente. A linguagem ora se reduz a fonemas, ora recupera fugazmente a autonomia (“Once there was a writer now a reader, once there was a savior now a spender, once there was a maker now a repeater, once there was a friend now a reminder, once there was a fool always a fool”), ora, nos 18 minutos da extraordinária “The Hustle” – banda sonora para The Dockworker's Dream, de Bill Morrison, filme/montagem de imagens do Arquivo da Cinemateca Portuguesa encomendado pelo Curtas de Vila do Conde –, funciona como resposta a um teste de Rorschach: onde Morrison viu a vida imaginária de um estivador, Wagner sonhou com um casamento Quaker no Tennessee.

1 comment:

t. said...

Ora aí está um curriculum imaculado para um político. Podemos fazer um deprimente paralelismo com Passos Coelho - o Kurt Wagner é substituído pela menina das Doce e a Lucy's Record Shop pela Tecnoforma.