25 October 2011

ADMIRÁVEL CAOS




Tom Waits - Bad As Me

Quando, em Março deste ano, com Neil Young na qualidade de anfitrião, Tom Waits foi admitido no Rock’n’Roll Hall Of Fame – o equivalente, na circunstância, à canonização pela Vaticano S.A. dos possuidores de superpoderes – fez questão de marcar distâncias relativamente aos perigos da institucionalização, declarando “Dizem-me que não tenho êxitos e que não é fácil trabalhar comigo... como se isso fosse um defeito!...” e, na sua muito privada forma de descrever o que é ser músico, acrescentou “As canções são apenas coisas interessantes que podemos fazer com o ar”. Como é habitual, poupa-nos trabalho: a personagem (razoavelmente estável ainda que em permanente evolução) fica suficientemente caracterizada e, daí em diante, trata-se apenas de encaixar os novos dados nos espaços livres da tabela periódica waitsiana.



Bad As Me – que, tal como Tom Waits provavelmente gostaria que acontecesse, já alguém (des)entendeu como “Bad Ass Me” –, por exemplo: décimo sétimo álbum de estúdio, sete anos após Real Gone (classificação mais elevada de sempre, no “Billboard”: #28) e cinco depois do esplendoroso compêndio de raridades extraviadas em formato triplo, Orphans: Brawlers, Bawlers & Bastards. Novíssima jóia que, antes de ser polida em estúdio, foi registada num gravador de cassetes “do tamanho da minha mão; é como fazer um desenho nas costas de um cartão de visita: não passa de uma tela”. E cujas habitantes “feitas com o ar” são apenas hipóteses estéticas de circulação rodoviária (“Com uma canção, construímos estradas em que, se tudo correr bem, outras pessoas viajarão”) que é indispensável localizar e capturar: “Temos de estar sempre à coca porque elas escondem-se. Fellini dizia que a morte se esconde nos relógios. Quem sabe onde se escondem as canções? Eu não”.



Terá sido até, talvez, ao flexível formato de Orphans... que Bad As Me foi procurar o design do bengaleiro onde dependurar cada tema que, entre revisitações convenientemente marinadas em ácido sulfúrico do romantismo dos anos-beatnik da Asylum (filão já explorado, sob apneia, em Alice, de 2002) e colisões frontais com o outro Waits (o do genialmente implacável Blood Money, publicado simultaneamente com Alice) sempre em risco de entrar em combustão espontânea, arruma, em explosiva contiguidade, desarmantes vulnerabilidades fora-de-horas com melodias de mel arrancadas ao granito, pianos ébrios e acordeões, como "Pay Me", "Back In The Crowd", "Last Leaf", "Kiss Me" (“I want to believe our love’s a mystery, I want to believe our love’s a sin, oh will you kiss me like a stranger once again”), ou "New Years’Eve" (com "Auld Lang Syne" a fazer de refrão e tudo) e selváticos massacres sonoros da estirpe de "Hell Broke Luce" (“When I was over here I never got to vote, I left my arm in my coat, my mom she died and never wrote, we sat by the fire and ate a goat, just before he died he had a toke, now I’m home and I’m blind and I’m broke, what is next?”), "Satisfied" (com língua de fora aos Stones: “Now Mr. Jagger and Mr. Richards, I will scratch where I’ve been itching”), "Get Lost", "Bad As Me", "Raised Right Men" ou caneladas disfarçadas de crooning (“We bailed out all the millionaires, they’ve got the fruit, we’ve got the rind”). A troika de guitarras – Marc Ribot, Keith Richards, David Hidalgo – provoca infinitamente mais danos do que a (menos desejável) outra, e o resto do temível corpo de intervenção (Casey Waits, Charlie Musselwhite, Larry Taylor, Augie Meyers, Flea,) assegura que, se nenhuma pedra fica sobre pedra, o caos que daí resulta é absolutamente admirável.

(2011)

3 comments:

pcristov said...

é badass sim senhor.

"- FREEBIRD!" said...

"how many ways can you polish up a turd?
left, right, left, right, left, right
"

Marta Nunes said...

Obrigada!